CPI confirma esquema de manipulação no Campeonato Potiguar investigado pelo Ministério Público

20 de Junho 2024 - 09h36

Por Júnior Lins

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Manipulação de Jogos e Apostas Esportivas confirmou, na terça-feira (18), através das falas do gerente de integridade da SportRadar, Felipe Marchetti, um esquema com envolvimento de jogadores de clubes que disputaram o Campeonato Potiguar deste ano. O fato já é apurado pelo Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) e as investigações seguem em fase avançada.

A SportRadar é uma empresa contratada pela Confederação Brasileira de Futebol (CBF), pela Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol (FNF) e, até mesmo, por casas de apostas para monitorar possíveis fraudes em partidas de futebol.

Conforme informado pelo promotor de Justiça e responsável pela fiscalização do cumprimento do Estatuto do Torcedor, Luiz Eduardo Marinho, com exclusividade ao Portal 96, os aparelhos celulares apreendidos durante a operação "Gol Contra", deflagrada em março deste ano, ainda estão sendo verificados e em análise para que o próximo passo seja dado, além das medidas cautelares já tomadas.

Promotor Luiz Eduardo Marinho/ Foto: Reprodução

Durante seu depoimento à CPI, Marchetti informou que há "relatórios que comprovem a manipulação de duas ou três partidas no Campeonato Potiguar". O gerente da SportRadar mencionou a "coincidência" de um clube ter contado com 16 atletas investigados pela prática de influência externa nos jogos e reforçou o trabalho em conjunto com o MP.

"Ainda esse ano, colaboramos com o Ministério Público do Rio Grande do Norte e o do Acre nas apurações sobre manipulação envolvendo o Globo e o Força e Luz no Campeonato Potiguar", relatou.

Durante a oitiva, o senador Styvenson Valentim (Podemos) solicitou acesso aos relatórios realizados sobre a prática ilegal no futebol dos últimos dois anos, produzidos pela empresa. Além disso, o parlamentar ressaltou que, na situação, não há como usar o termo "coincidência".

"Foi feito para manipular mesmo mesmo. Quando não é com um, é com o outro. São 16 chances de manipulação", reforçou.

A FNF encaminhou ao MP, em janeiro, uma denúncia de suspeita de manipulação de resultados em dois jogos do Campeonato Potiguar 2024. As partidas citadas foram ABC 6 x 0 Força e Luz, no dia 17 de janeiro, e Globo 0 x 2 Santa Cruz de Natal, no dia 21.

Felipe Marchetti/ Foto: Marcos Oliveira

Jogadores suspeitos em goleada do ABC 

 O MPRN e o Tribunal de Justiça Desportiva do Rio Grande do Norte (TJD-RN) receberam a denúncia feita pela Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol (FNF) sobre "circunstâncias estranhas" na partida em que o ABC goleou o Força e Luz por 6 a 0 no Campeonato Potiguar deste ano.

Desta partida em específico, o Portal 96 apurou que, pelo menos, nove atletas (seis titulares e três reservas) que estiveram em campo contra o ABC, têm passagens por times investigados por manipulação de resultados e trilharam caminhos, basicamente, iguais: Spartax (PB), São Francisco Futebol Clube (PA) e Luverdense (MT).

Três chegaram do Spartax, que é investigado pelo Tribunal de Justiça Desportiva de Futebol da Paraíba (TJD-PB), pelo jogo na Série B do Campeonato Paraibano, contra o Confiança Esporte Clube. Na ocasião, a aposta "orientada" seria de que o clube perderia por, pelo menos, três gols. O resultado: foi derrotado por 4 a 1.

Outros cinco fizeram parte do São Francisco Futebol Clube (PA). E esse caso é curioso: os jogadores foram denunciados pelos torcedores do time. A Federação Paraense de Futebol (FPF) resolveu abrir uma investigação sobre o caso, após uma sequência de derrotas "estranhas" do clube. Na época, a diretoria do São Francisco até se posicionou sobre a situação e afirmou "confiar" nos atletas.

Além disso, dois jogadores que passaram pelo São Francisco e pelo Spartax, estiveram também no Luverdense. Além desses, um atleta passou exclusivamente pelo time matogrossense, que é investigado por esquema de apostas, na Operação Penalidade Máxima, do Ministério Público de Goiás. O jogo investigado é entre Luverdense e Operário de Várzea Grande.

Operação 'Game Over'

A operação "Game Over", deflagrada em 2021 pelos Ministérios Públicos da Paraíba e de Pernambuco foi uma das primeiras ações com relação ao futebol do Rio Grande do Norte. Na ocasião, a investigação encontrou sinais de que a partida de uma competição regional com o envolvimento de um time potiguar teve interferência criminosa. Como resultado, essa operação chegou a prender um homem apontado como líder do esquema. 

De acordo com Luiz Eduardo Marinho, diversas provas e relatos coletados pelo MP foram enviados, de forma informal para colaborar na operação. Isso porque a partida teve atitudes suspeitas de um atleta do RN, que teria sido cooptado por um grupo especializado em manipulação de jogos de azar.

Campeonato nebuloso de 2021

Segundo apurado pela redação da 96, existem informações que lançam uma nuvem de desconfiança sobre o Campeonato Potiguar de 2021, que teve o Globo como campeão. A suspeita está relacionada à "estranha" parceria do time de Ceará-Mirim com uma empresa do Acre que teria tido influência direta na contratação de jogadores e, também, na suspeita de manipulação de resultados.

A empresa chegou como investidora do Globo para a temporada. A proposta era investir no clube e lucrar com as bonificações de competições nacionais e regionais que estariam no calendário do time potiguar. No entanto, além de aplicar dinheiro no time, uma das sócias da empresa teria tentado aliciar jogadores e até o treinador de outra equipe que disputava o Estadual naquele ano.

Há suspeitas, também, de que esse esquema tenha influenciado em decisões, não só na contratação de jogadores, mas também na rescisão de alguns contratos, inclusive, do treinador da época, Renatinho Potiguar. O técnico pediu demissão de forma inesperada em meio a uma série de resultados positivos com o grupo. 

Um ponto alto dessa situação foi o vídeo vazado de um momento de possível interferência do presidente de honra, Marconi Barreto, no vestiário, em um episódio que gerou desconfiança, inclusive, de órgãos de investigação, como Polícia Civil e MPRN. 

A relação questionável entre o clube e a empresa do Acre, apesar de ter sido um caso levado adiante e se transformado em denúncia formal, não foi o único motivo de suspeita que atingiu o futebol potiguar naquele ano. Um polêmico jogo entre Força e Luz e Assu, teve 19 escanteios apenas no primeiro tempo e chegou a fazer uma casa de jogos de azar retirar a opção da lista de possíveis apostas dos interessados, pela situação "estranha" para aquela partida.

Naquele mesmo ano, o Potiguar de Mossoró viu, pelo menos, seis atletas, o presidente Benjamim Machado e um diretor de futebol deixarem o clube, após derrotas seguidas. E quem levantou uma suspeita foi o lateral Mattheus Gaúcho, que atuava pelo clube e participou dessa debandada. 

“Meu pai e minha mãe me deram princípios. Vagabundos sem caráter se vendem! EU NÃO! Eu respeito a tradição desse clube e eu era o maior interessado em ajudar a lutar por esse clube, mas ao invés disso desprezaram quem queria ajudar”, disse Mattheus Gaúcho pelas redes sociais, na época.

Esses dois casos levantados pela reportagem da 96 e outros mais, citados na época por torcedores, jogadores e jornalistas, no entanto, não foram adiante em investigações formais de instituições ligadas ao controle do futebol. E o motivo, conforme foi dito à 96, está longe de ser a ausência de indícios. Na verdade, o fator determinante, foi a simples falta de uma denúncia formal, fundamental para a abertura de inquéritos para esses conteúdos.

Operação Gol Contra

O Ministério Público do Rio Grande do Norte deflagrou em março a operação Gol Contra. Diante das suspeitas relacionadas aos jogos no Campeonato Potiguar, a ação busca apurar a existência do esquema de manipulação de resultados de partidas de futebol com o objetivo de obter lucros ilícitos em apostas esportivas. 

A operação cumpriu, de forma simultanea, mandados de busca e apreensão em Ceará-Mirim, na Grande Natal, e em Rio Branco, no Acre. Até o momento, pelo menos seis pessoas são suspeitas de envolvimento com o suposto esquema.

O MPRN já possui evidências da existência de apostadores que se beneficiam por participarem diretamente ou por informação privilegiada, além de aliciadores que ofertam valores ao corpo técnico dos times envolvidos para obtenção de resultados fraudados. Na apuração, também foi descoberto que existem jogadores que são protagonistas em campo; e ainda possíveis dirigentes e/ou técnicos coniventes ou envolvidos no suposto esquema.

Suspeita na Série B

A Federação Norte-Rio-Grandense de Futebol (FNF) chegou a enviar ao MPRN uma denúncia sobre uma suposta manipulação na partida entre Parnamirim e Riachuelo, pela segunda divisão do Campeonato Potiguar.

O jogo, que terminou em 7 a 3 para o time parnamirinense, aconteceu no dia 25 de outubro de 2023, no estádio Barrettão, em Ceará-Mirim. Além do placar elástico, chama a atenção alguns lances bem "estranhos" na partida.

Com um balanço feito com base em documentos, é possível descobrir um passado "nebuloso" de alguns atletas envolvidos na partida.

Por parte do Riachuelo, muitos jogadores da base. Ainda sem um passado extenso. Contudo, do lado do Parnamirim, foi possível até achar um jogador que os apostadores chamam de "Rei do Fixed". O apelido é relacionado ao termo "Fixed Match", que significa partida manipulada.

Um dos pontos que chama a atenção durante as pesquisas é um despacho do Tribunal de Justiça Desportiva de Futebol da Paraíba, que solicitou a investigação de clubes, por manipulação de resultados da segunda divisão do Campeonato Paraibano. E advinhem só: jogadores do Parnamirim estiveram nos confrontos citados.

A investigação apurava, dentre outras equipes, o Picuiense e o Desportiva Guarabira, times da Paraíba. Do atual elenco do Parnamirim, cinco jogadores estiveram nesses dois clubes. Sendo quatro no Picuiense e um, no time de Guarabira.

E as "coincidências" com esses atletas não acaba aí. No Ceará, um jogo entre Caucaia e Guarani de Juazeiro foi alvo de investigação, também por manipulação, durante o Estadual de 2023. Ao vasculhar os elencos, encontrei nomes familiares. Por coincidência, ou não, os mesmos atletas que estavam nos times investigados na Paraíba e presentes na ocasião investigada aqui do RN, também estiveram no Guarani, que perdeu a partida suspeita por 1 a 0.

 

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