Rede de academias abre 'unidade cristã', com salinha de oração e louvor na playlist
"O que mais me perguntam é se aqui eu posso usar shortinho e top. As pessoas ficam curiosas", conta Parmes Amanda Stier, 29, que trabalha com decoração de festas e é uma das alunas matriculadas na primeira "unidade cristã" da rede de academias Sou Mais, grupo que atua em Curitiba e cidades da região.
"E o que me responderam aqui na academia é que a gente pode usar a roupa que se sentir melhor e pronto. Não existe uma regra. As pessoas acham que vão chegar aqui e vão ficar te induzindo a algo, te convidando para ir na igreja. Não é nada disso", diz Amanda, que se matriculou na academia logo quando ela abriu, há menos de três meses.
Amanda é evangélica, mas conta que o que a atraiu para a academia foi principalmente a localização, pertinho de onde mora. "Eu competi no fisiculturismo no ano passado e logo depois engravidei. Mas manter um exercício faz bem, vai me ajudar na gestação e no parto também."
A despeito do nome da unidade —Sou Mais Cristo—, quem entra no local, um grande galpão lotado de fileiras de aparelhos, pode não identificar de imediato o apelo evangélico. Mas elementos associados à religião estão lá, como as luzes do teto que formam uma grande cruz e as pequenas placas com versículos da Bíblia instaladas em alguns pontos da parede.
Mas o que mais chama atenção no local é a sala de oração, um pequeno espaço em um dos cantos do galpão. É lá que a cuidadora de idosos Fátima Valéria dos Santos Vieira, 60, costuma entrar após os treinos. "É bom chegar num lugar e se sentir acolhida e amada. Isso atrai a gente, independentemente do credo religioso", diz ela, que é missionária da denominação Quadrangular.
Fátima também gosta de olhar para a imagem do leão na parede de fundo da academia. "É o leão da tribo de Judá. O rei dos reis. Senhor dos senhores", diz. E conta que se sente "em casa". "Não me sentia à vontade em outras academias, que parecem que só dão atenção a mocinhas. Queria fazer um exercício e não sabia como. Aqui eles me orientam."
A academia, contudo, é aberta a todo tipo de público. A professora aposentada Evanir Maria Nelma, 73, que não é evangélica, disse que já ouviu questionamentos sobre por que frequentava uma "academia de crente". "Para mim, tanto faz. O que importa é se eles te dão atenção para saber se você está fazendo a atividade [do jeito] certo ou errado. E aqui eles acompanham", afirma.
A playlist do ambiente, só com músicas de artistas cristãos, também não incomoda. "Eles estão cantando em inglês, nem entendo nada", brinca Evanir.
Patrick Baptista, 31, fundador da Sou Mais e sócio-diretor da Sou Mais Cristo, afirma que há todo tipo de aluno na academia.
"Qualquer um, mesmo sem religião ou sem acreditar em Deus, é recebido", diz o empresário, antes de contar a própria história. "Eu me converti há um ano quando estava em uma rave e Deus falou comigo. Hoje às vezes eu vou [na igreja evangélica]. Mas não precisa ir a uma igreja para acessar Deus", diz.
A rede Sou Mais tem 12 academias em Curitiba e região, incluindo a unidade cristã, que hoje possui cerca de 400 alunos matriculados, fora os usuários do Gympass.
O investimento na unidade cristã foi de cerca de R$ 2 milhões, e há planos de expansão. "A próxima vai ser aberta no Rio Grande do Sul", afirma Patrick, sem anunciar a cidade. "Não sei dizer, Deus me trouxe só Rio Grande do Sul."
Patrick afirma que a unidade tem três sócios, incluindo a irmã dele, e que todas as decisões tomadas surgem após orações.
"As pessoas podem achar que eu faço por dinheiro. Mas, não, eu faço porque Deus me direciona a fazer", afirma. "Normalmente Deus traz para a gente quem é para contratar, quem não é. A gente orava sobre os orçamentos e Deus escolhia. Até mesmo para dar entrevista a gente ora."
TENDÊNCIA
Professora do Departamento de História da UFPR (Universidade Federal do Paraná), Karina Kosicki Bellotti afirma que espaços e eventos voltados para o público evangélico têm crescido no país nas três últimas décadas, junto ao aumento da população que aderiu à religião, e que propostas como a da academia cristã parecem fazer parte dessa tendência.
"Além de possuir esta ideia de ser um lugar atrativo mesmo para quem não é evangélico", acrescenta ela, que estuda história das religiões.
Segundo BellottI, essa é uma tendência ainda mais antiga nos EUA, onde desde os anos 1940 "uma parte dos evangélicos construiu emissoras de rádio e TV, universidades, editoras, espaços de entretenimento e de educação para oferecer um conteúdo evangelístico em formatos mais contemporâneos".
Folha de São Paulo
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