Jovem assaltante, de arma em punho, me obriga a levá-lo para uma "parada" em Mãe Luíza

15 de Novembro 2022 - 21h47

Por Edmo Sinedino

Não sei como, mas estou bem. Fui "sequestrado" (não  sei se foi bem isso, fui obrigado, na verdade, a dar fuga a um assaltante, acho) na saída da casa de minha mãe, na Cidade Alta, na esquisita rua Gonçaves Lêdo. Se você tiver paciência de ler vou tentar organizar meu juízo e narrar o que aconteceu nesses 15, 20 minutos que pareceram ter a duração de um ano. Final de feriado para esquecer ou, claro, tirar mais lições e agradecer por tudo ter terminado apenas com a perda de um celular.

Por volta das 19h30, fui saindo da casa de minha mãe, um pouco mais tarde do que o horário normal quando vou lá durante a semana. Um rapaz vinha decendo a rua, na calçada oposta a minha, olhei para ele, apesar de sempre ter desconfiança pela rua deserta não voltei, dei uma olhada e me dirigi mais rápido para o carro. Ele deve ter dado uma acelerada grande que não vi, pois quando entrei e nomento que ia ligar o carro para sair, me arrepio ao lembrar, ele bateu no vidro com força com o cano de um revólver. Por instinto, e essa é a terceira vez que cometo esse erro, travei o carro e arranquei, mas a porta trazeira não havia fechado, ele entrou e colocou a arma na minha cabeça.

E começou a falar de maneira apressada, nervoso, mandando que eu dirigisse, que não ia me fazer mal só queria que o levasse a "uma parada em Mãe Luíza". O filme que passa na cabeça de todo mundo, esposa, filhos, filha, netos, parentes, amigos, o medo da morte tomando conta de seu ser, o enterro,  sofrimento de deixar os meus, o famoso "filme" comum a todos em situação semelhante.

Pensei em abrir a porta e pular do carro, sair correndo em zigue-zague. O garoto, mais de 19 anos ele não tinha, tentava me convencer que não queria me fazer mal e nem me roubar, queria tão somente que o deixasse nessa "parada". Tinha nas mãos um pacote de dinheiro (creio que cometeu algum assalto e estava fugindo).

Comecei a conversar com ele. A versão que me contou era outra: estava com a sua boy aí surgiram uns caras atirando, querendo matá-lo, por isso pedia até pelo amor de Deus para que eu andasse depressa, pois estava com medo de morrer. Minhas pernas pararam um pouco de tremer e tentava fazer ver a ele que não faria nada, pois estava desarmado. Chegou, acreditem, a me oferecer dinheiro para que eu o levase. O medo dele era que aparecesse um carro da Polícia - o meu também. Pedi que ele passasse para o banco da frente e, claro, conversando tentando ganhar sua confiança. Acho que não fiquei devendo nada aos "negociadores" dos filmes policiais. 

E o rapazinho me contou sua história ."Coroa, não sou uma cara ruim não, mas entrei nessa e não tem mais volta. Nem uso droga, só uma maconhinha de leve (realmente ele não estava drogado, só apavorado)". Minha nossa! Falou da mãe que batia nete até tirar sangue, dos maus tratos dos padrastos, da fome que passou e mostrava muito rancor com a mãe, sentimento que me amedrontava.

"Minha mãe trocava de macho todo mês, a fila da puta, e cada um mais sem futuro que o outro". E repetia, repetia... Repetiu tanto que não era mau, pedia para apertar minha mão, que eu confiasse nele, uma cena que nunca imaginei viver.

Claro, entrei na mesma linha. Talves Deus tenha me dado a oportunidade de me testar, para saber se eu era, de verdade, humanista, se eu me preocupava de verdade com meus semelhantes mais infelizes.

Acho que consegui que o garoto (perguntei seu nome, ele não disse, tinha medo que eu entregasse ele) confiasse em mim. Apesar de torcer desesperadamente para que o que ele dizia fosse verdade, ao mesmo tempo tinha medo daquele "sequestro" continuar.

Meu pavor era entrar outros no carro e a coisa desgringolar. O revólver na mão dele, pedi que ele virasse para o outro lado, ele o colocou na virilha.

No sinal do Colégio Auxiliadora, cruzamento da Hermes da Fonseca (sinal desgraçado para demorar a abrir, afe!) uma moto parou do nosso lado. O cara nos olhou, deve ter pensado que era um coroa levando o boy para um programa. Ele se aperreou, me pediu para cortar o sinal. Eu ponderei que agindo assim chamaria a atenção. Ele concordou.

Me perguntou o que eu faria se parasse um carro de Polícia do lado: "você me entregaria?" Consegui sorrir ao resposnder. "Homi, tá doido, os caras ia trocar tiros com tu e eu podia morrer, sou burro não". Ele sorriu concordando.

A todo momento pedia para apertar sua mão, reafirmando que não queria me fazer nenhum mal, jurava que só queria que ele levasse ele. Entramos na rua de acesso à Mãe Luiza, mas ele mandou que eu pegasse a ruazinha estreita do Bom Dia Supermercado, em Petrópolis, foi o que fiz.

Depois dobramos à direita, à esquerda e... Meu telefone toca. Ele dá um pulo. Eu disse para deixar tocar. Ele não concordou, mandou eu atender e dizer que estava tudo bem. Era minha irmã Edilma. Ele tinha ouvido o barulho da batida da porta, o arracar diferente do carro na minha saída, vozes e ficou preocupada. Fiz o que o garoto mandou, falei com calma e desliquei. Por conta dessa ligação perdi meu celular (estou aqui ainda rindo de nervoso).

Por fim, ele me mandou parar o carro numa ruazinha. Me pediu mil desculpas porque ia levar meu celular, pois eu podia ligar para os "homi". Me agradeceu duzentas vezes, parece pieguice, coisa difícil de acreditar, mas me pediu um abraço, beijou minha mão e desceu do carro. Respirei fundo, aliviado, nem olhei a direção que ele foi. Minha preocupação era voar de volta para a casa da minha mãe, pois sabia que minha irmã estava agoniada. E estava.

Já havia ligado para a minha esposa, que acionou a Polícia, mas eu não vi e nem faço questão, quero esquecer e desejar que aquele menino possa, ainda ter a chance de mudar de vida, antes de ser preso ou morrer.

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