"Laranja" no patrocínio do Corinthians mora em comunidade, já passou fome e tem medo de morrer

24 de Maio 2024 - 10h36

A reportagem é do UOL:

Edna Oliveira dos Santos é dona de uma empresa com capital social de R$ 180 mil e que teria recebido mais de R$ 1 milhão de uma intermediária no patrocínio master do Corinthians. Mas ontem, quando o UOL foi procurá-la, encontrou uma mulher que vive de favor em uma comunidade e que é mãe solo e alimenta três filhos pequenos com R$ 740 por mês com o Bolsa Família. Ela contou para a reportagem que passou fome algumas vezes.

Se você acha que essa conta não fecha, não está sozinho. Edna também não entende. E é por isso que, desde a última terça-feira (21), ela tem medo de morrer.

O UOL conheceu Edna na manhã de quinta-feira no Jardim Caraminguava, em Peruíbe, no litoral de São Paulo, após procurá-la pelas ruas do bairro. Ela tem 23 anos, cria um bebê recém-nascido e outras duas crianças, de quatro e seis anos, e alguns cachorros vira-latas. Tudo isso em condição de pobreza. Segundo os amigos, tem chorado sem parar desde que seu nome apareceu no noticiário. Tem medo de ser presa ou morta.

Estou muito preocupada. Já passei muito mal hoje porque eu não consigo tirar isso da minha cabeça. Tenho três filhos pra criar. E se alguém me matar por algo que nem fiz?

Edna Oliveira dos Santos

Ela é uma peça na polêmica que envolve Corinthians, a patrocinadora Vai de Bet e uma empresa que aparece no contrato como a ligação entre os dois. Na terça-feira, a coluna de Juca Kfouri, no UOL, publicou que a empresa que fez a intermediação do contrato, chamada Rede Social Media Design, recebeu R$ 1,4 milhão do clube e repassou R$ 1,042 milhão a uma terceira empresa, chamada Neoway Soluções Integradas em Serviços (não confundir com a Neoway, empresa catarinense de big data). Edna aparece como proprietária da Neoway Soluções nos documentos oficiais.

Edna diz estar surpresa com seu envolvimento no caso. Ela é corintiana, assim como os vizinhos, mas diz que jamais encontrou ninguém relacionado ao clube em toda vida. Também nega ter assinado qualquer papel para abrir uma empresa em seu nome.

Sua casa é de tijolos aparentes, tem cerca de nove metros quadrados e não tem saneamento básico. É essa que aparece atrás de Edna na foto que abre a reportagem. Ao lado, em uma casa parecida, vivem sua mãe e o padrasto. O pai de um dos filhos está preso. O dos outros, ela não sabe onde está. Os dois perderam contato.

Edna disse à reportagem - e mostrou vídeo para corroborar, assim como fizeram seus vizinhos — que recebeu a visita de uma mulher desconhecida na noite do dia 30 de abril. Nesse dia, ela conta, soube que a empresa Neoway Soluções, com capital social de R$ 180 mil, está em seu nome. "Moro de favor, só tenho auxílio. Já passei fome", disse. Edna também contou que, antes da ajuda governamental, trabalhava em um quiosque. Mas não tem ocupação desde janeiro de 2022, quando entrou para o programa federal.

Ela diz que a mulher misteriosa chegou em tom ameaçador, questionando sobre o envolvimento de Edna com a Neoway. Queria saber como a assinatura foi parar em um documento. Gravada sem autorização, Edna respondeu que não assinou nada. E que se tivesse recebido R$ 1 milhão, não viveria em bairro humilde de Peruíbe.

De acordo com Edna (e os vizinhos confirmam), ela foi até a Delegacia de Mulher na ocasião, mas foi desencorajada pelo delegado de plantão, que teria ironizado: "E daí que abriram uma empresa no seu nome?". Posteriormente, fez um boletim de ocorrência e conseguiu um advogado. Quando conversou com a reportagem, ela chegou a afirmar que não sabia como pagaria pela ajuda legal. Mais tarde, voltou a falar com o UOL e contou que já tinha um profissional trabalhando com ela.

No dia 30 de abril, em que recebeu a visita inesperada, foi registrada na Jucesp (Junta Comercial do Estado de São Paulo) a alteração do contrato social da Neoway com o nome de Edna e uma assinatura, com data do dia anterior, 29 de abril.

"Falei com essa mulher no dia 30 e depois vi as notícias ontem [22 de maio]. Minha foto e uma casa que não era a minha, mas, sim, lá na esquina. Eu não tenho empresa, não tenho nada a ver com isso e não entendo como isso aconteceu. Vou buscar meus direitos para provar que não fiz nada errado. Não estou conseguindo dormir, tenho medo de morrer e não saio de casa. Sempre penso que alguém mau pode vir aqui", falou, ao UOL.

Hoje, ela fica a maior parte do tempo na sua casa e conta com o apoio de vizinhos e da sua mãe, que é enfermeira de uma escola de educação infantil no bairro. A amiga e vizinha da frente, Sandra Palma, foi quem cadastrou Edna no Caixa Tem para o recebimento do Auxílio Brasil e tem sido um dos seus apoios neste momento.

"Tem algo muito estranho nesta história. A gente fica de olho enquanto a Edna está em casa. Já falamos para ela arranjar algum advogado e provar que não fez nada de errado. Quem recebe R$ 1 milhão não mora de favor", disse Sandra.

"Pouco antes de vocês chegarem, ela estava chorando aqui. Ontem, passou a noite chorando, com medo. E depois da visita da mulher, também chorou muito. Ela está muito assustada", continuou a vizinha, que é amiga de Edna desde que chegou ao bairro, há pouco mais de um ano.

O endereço cadastrado como sendo de Edna na empresa Neoway Soluções era o mesmo do cadastro do Auxílio Brasil. Ela não sabe como essa localização foi parar lá, pois recebe o benefício sempre com a ajuda de amigos. Segundo ela, o único lugar em que coloca sua assinatura todos os meses é no banco, justamente para receber o dinheiro do governo e conseguir sobreviver.

O pagamento de comissão de R$ 25,2 milhões à empresa Rede Social Media Design é o objeto da desconfiança. O valor foi combinado pela intermediação dos R$ 730 milhões do patrocínio master da Vai de Bet no Corinthians.

A Rede Social Media Design pertence a Alex Fernando André, conhecido como Alex Cassundé, que trabalhou na campanha do presidente Augusto Melo.

A Rede Social Media Design repassou pouco mais de R$ 1 milhão para uma empresa laranja: a Neoway Soluções Integradas em Serviços Ltda. A Neoway está em nome de Edna Oliveira dos Santos.

Cassundé é parceiro do diretor de marketing do Corinthians, Sergio Moura. Sergio pediu licença do cargo.

Os dois pagamentos de comissão para a Rede Social foram feitos em um intervalo de três dias e à revelia do diretor financeiro do Corinthians, Rozallah Santoro, que estava fora do Parque São Jorge. As transferências foram determinadas pelo diretor administrativo, Marcelo Mariano, sob alegação de que a Rede Social havia emitido notas fiscais e pagado os impostos.

Em nota oficial, o Corinthians disse que a negociação foi legal e que não se responsabiliza sobre eventuais repasses a terceiros.

"Todas as negociações, incluindo patrocínios, se deram de forma legal com empresas regularmente constituídas. O clube destaca que não guarda responsabilidade sobre eventuais repasses de valores a terceiros. Caso sejam apresentadas quaisquer provas de ilícitos, estes serão discutidos junto ao Conselho Deliberativo para providências que se fizerem necessárias."

Deixe o seu comentário

O seu endereço de email não será publicado

Notícias relacionadas

Últimas notícias

Notícias relacionadas

Últimas notícias