Funcionários da Syngenta, uma multinacional de defensivos agrícolas, combinaram, em bilhetes, como esconder um insumo altamente poluente antes de uma vistoria de fiscais do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis).
O caso está na origem de uma multa de R$ 1,3 bilhão aplicada à companhia, anulada recentemente por uma juíza de São Paulo. Segundo o órgão ambiental, a empresa acrescentou um bactericida a três de seus produtos em quantidades três vezes superiores ao autorizado pelo órgão ambiental, pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e pelo Ministério da Agricultura.
Durante uma das visitas à unidade, no dia 8 de novembro de 2021, os agentes do Ibama encontraram um bilhete com orientações para a "passagem de turno Fifor [nome interno da fábrica de Paulínia]": "Às 11:00 da manhã o Marcelo nos informou que era para retirar todo o material de Engeo Pleno [um dos produtos], pois estamos em fiscalização na planta".
Continuava o bilhete: "Foi retirado todo o material da Fifor 1 por conta da visita. O material está na rua 15, no Loguim [nome do depósito de insumos]. É só falar com o líder lá que ele está sabendo. Todo o material que está lá vai voltar para a Fifor para dar sequência na formulação de Engeo Pleno. O caderno de adição de bromo e os cadernos de tratamento de Engeo e Karate [nome dos outros dois produtos] estão com a Fernanda. A mesma pegou enquanto a visita estava em nossa área".
No dia seguinte, outro bilhete: "Às 08:00 recebemos a informação que a fiscalização estava novamente no site. Com isso, devolvemos os materiais para o Loguim e o bromo ficou com o Daniel no pátio. 11:00 foi nos passada a informação que era para voltar com as matérias primas para a área e seguir normalmente (folhas de controle estão na gaveta da Fernanda)".
O QUE A SYNGENTA ESTAVA ESCONDENDO
Em novembro de 2021, o Ibama encontrou, em inspeção na fábrica da Syngenta em Paulínia (SP), evidências de que a empresa havia adicionado bronopol, também tratado como bromo, a três de seus produtos e havia escondido a informação dos órgãos de controle. Os bilhetes foram descobertos nesta vistoria.
O Ibama alega que, conforme a Echa (Agência Europeia das Substâncias Químicas), o bronopol é "muito tóxico para a vida aquática; perigoso se engolido; perigoso em contato com a pele; causa sérios danos oculares; causa irritação de pele; e pode causar irritação respiratória".
Portanto, continua a autarquia, as informações sobre os problemas do bactericida já eram conhecidas.
A empresa não negou - e até fez acordo com o Ibama para pagar R$ 4,5 milhões e encerrar o processo administrativo. Entretanto, no processo judicial, a Syngenta alegou que o produto não causa "nenhum malefício ao meio ambiente ou à saúde humana".
Na época, conforme o próprio Ibama admite, o bromo era tratado como Classe III pela Anvisa, ou seja, "componente de preocupação toxicológica e/ou ambiental não determinada".
A MULTA BILIONÁRIA
No entanto, quando o acordo foi enviado para parecer jurídico da AGU, a recomendação foi de anular a conciliação entre a Syngenta e o Ibama.
Segundo a Procuradoria Federal no Ibama, a forma de cálculo da multa estava errada: em vez de cobrar por produto fabricado, deveria ser por lote - e com agravante pelo fato de a empresa ter acrescentado o produto tóxico com conhecimento de seus efeitos.
"Os motivos (circunstâncias de fato), apontados na motivação do Relatório de Análise Preliminar não guardam congruência com suas conclusões acerca da gravidade da infração e de seus impactos para o meio ambiente e a saúde humana", escreveu a procuradoria.
Ao todo, foram 292 lotes: 258 do Engeo Pleno, 24 do Karate 250 e 10, do Karate 50.
Com a multa de R$ 1,5 milhão por lote, a punição ficou em R$ 438 milhões. Mais o adicional pela "reincidência específica" que multiplicou a multa por três, a punição chegou a R$ 1,3 bilhão.
Em dezembro de 2022, o Ibama concordou com as contas e aplicou a multa.
VALOR ALTO DEMAIS
A Syngenta ingressou com mandado de segurança na Justiça Federal de São Paulo contra a nova multa em janeiro deste ano. Na petição, a empresa alega que o Ibama não tem "poder de autotutela" - ou seja, não pode fazer o controle jurídico dos próprios atos. E nem poderia voltar atrás do acordo, um "ato jurídico perfeito".
De acordo com a empresa, não foi demonstrada nenhuma ilegalidade no acordo, só "divergência de entendimento entre os diferentes agentes do órgão ambiental". "E a divergência de entendimentos entre os entes da administração pública não pode recair sobre o particular."
Quanto à multa, a Syngenta argumenta que não pode ser punida duas vezes pelos mesmos fatos. E que não pode ser punida pela inclusão de "um bactericida seguro" em um "defensivo agrícola".
"Evidente que uma multa no valor de R$ 1,3 bilhão acarreta prejuízos relevantes a qualquer empresa, independentemente do porte", disse a empresa, no mandado de segurança.
"Sem contar o impacto na imagem da companhia perante seus investidores, consumidores, stakeholders, mídia, fornecedores, sociedade civil etc., especialmente considerando a relevância econômica e social da atividade empreendida pela Syngenta, num notório contexto de carência de insumos para a agricultura brasileira."
Em nota enviada ao UOL, a empresa disse que o mandado de segurança não pretende discutir o mérito da multa, e sim a possibilidade de reabertura de um processo administrativo que havia sido encerrado por acordo. A Syngenta alega que a primeira multa, de R$ 4,5 milhões, já foi a punição pelos fatos apurados pela fiscalização do Ibama.
Sobre a adição do bromo aos produtos, a Syngenta disse que "todas as medidas cabíveis foram tomadas pela empresa, incluindo a realização de auditorias externas e internas, implementação de diversas melhorias processuais e de sistema, eliminando qualquer possibilidade de falha da natureza que havia sido apontada na fiscalização".
Apesar de ter sido perguntada pelo UOL se orientou os funcionários que escreveram os bilhetes para burlar a fiscalização, a Syngenta não se manifestou sobre este ponto específico.
JUÍZA ANULOU A MULTA
Em fevereiro deste ano, a juíza Cristiane Faria dos Santos, da 9ª Vara Cível Federal de São Paulo, deu razão à Syngenta, anulando a multa de R$ 1,3 bilhão e mantendo o acordo de R$ 4,5 milhões.
Na liminar (decisão provisória), a magistrada disse que o acordo assinado com o Ibama criou "expectativa de efetiva resolução do conflito" e que o aumento da multa, de R$ 4,5 milhões para R$ 1,3 bilhão, "eleva desproporcionalmente o valor de eventuais sanções pecuniárias a serem suportadas pela empresa".
Continuou a juíza: "Considerando ainda a relevância econômica e social da atividade empreendida pela demandante, num notório contexto de carência de insumos para a agricultura brasileira" - o último trecho, sobre a "carência de insumos", consta também da petição inicial do mandado de segurança apresentado pela Syngenta.
AGU (Advocacia-Geral da União), que representa o Ibama no caso, pediu reconsideração da liminar, mas ainda não houve nova decisão e nem análise do mérito.
Com informações do UOL
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