Os meninos da Cidade Alta

02 de Janeiro 2024 - 08h22

Cada bairro de Natal tem suas particularidades. Ribeira, Rocas, Alecrim e tantos outros que vieram depois. Como Reginaldo Rossi bem diz, a gente deve cantar e valorizar o nosso chão. Nossa cidade, estado, país.  

   

E como ele, todos nós, a geração que cresceu brincando e jogando bola nas ruas da Cidade Alta – Gonçalves, Ledo, Santo Antônio, Voluntários da Pátria, Vaz Gondim, Apodi (pequeno trecho), Padre Calazans e Padre Pinto, por isso narro o meu chão de "estrelas".

  

Duvido que algum rapaz tenha passado, morado, visitado umas dessas ruas e não tenha ouvido falar, ou mesmo participado de peladas homéricas na praça da Santa Cruz da Bica.  

Não tenha lascado os dedos dos pés na Padre Pinto, no muro do cabaré de Maria Boa, pois na rua em frente a esse lugar tão famoso, na pista recém-construída transformada numa verdadeira quadra de futebol.

  

Cidade Alta, e esse trecho específico, onde virei gente, ou acho, namorei, casei, e encaminhei minha vida, conheci muitas figuras. Algumas, como Roberto Lili seria assunto para o livro de mais de 400 páginas.

  

A Cidade Alta, da minha época, forma, sem dúvida, uma seleção de grandes “decentes” que ficaram para sempre na minha memória. E que servem até hoje de inspiração para vários dos meus textos de humilde jornalista.

  

Como esquecer de “Pequeno das Cachorras”, Fernando Gomes da Costa, craque de bola, que jogou no futebol de salão do América,  no Força e Luz.  

Suas histórias de bola e carnaval eram impagáveis. Passava horas narrando suas aventuras em Macau, no seu bloco do “Lambe-Lambe”. Morreu de forma absurda – uma queda na escadaria da Cosern, onde trabalhava. Até hoje, Pequeno é lembrado por todos nós com muito carinho.

  

Nossa  cantinho da Cidade Alta que produziu o Tinho. Carlos Maurício. Um ótimo jogador de futebol de salão e futebol de campo.  Brilhou no América, na bola pesada, depois jogou no ABC de futebol de campo, profissional, onde foi considerado um dos seus ídolos. Foi autor do gol do título de 1978 e entrou para sempre na história do clube. Tinho ainda jogaria no Náutico.

   

Mas ele, como tantos outros, vítima da falta de respeito e atenção de nossos dirigentes, parou de jogar, foi cuidar da vida, voltou a brincar no futebol de campo (jogamos juntos no RAC de Mércio Lemos) e se tornou policial civil.

  

Esse mesmo pedaço produziu José Carlos Moreira Dantas, que veio da rua . Jogador do meu Goiás, time que criei e ficou famoso aqui no bairro. Zé Carlos tinha talento, coragem e o feeling dos grandes craques. Incrível, mas me surpreende muito que nas crônicas sobre nosso futebol de salão se fale em tantos jogadores comuns e meu "chaveirinho"  seja tão pouco lembrado.

  

Vestiu a camisa do Força e Luz, mas preferiu mesmo brilhar, se fixar na quadra. Defendeu ABC, Aspetro, América, AABB, acho que foi campeão em quase todos, brilhou ainda no futsal das Alagoas, em Maceió. Enfim, Zé Carlos, para mim, meu amigo de infância, e não por isso, foi um dos maiores jogadores de futebol de salão que já vi jogar.

  

Lembro das surras que dávamos em times desafiantes. Raimundo Silvério, Canela, da Lanchonete Chapinha, recebia os desafios, vários, quase toda semana aparecia um time “invicto” para nos enfrentar e bater.

 

Canela primeiro nos desafiava falando entre sorrisos: “Juarez disse que o time da Cidade não pega na bola contra o time dele lá de KM 6 (bairro). Só isso bastava para nós e desafio aceito. Ele marcava e nos levava. Chico Cabeludo, goleiro,  Eu, Zé Carlos, Leandro, Paulinho, Falcão e lá íamos surrar times por esse Natal à fora.

   

E voltando ao nosso pedaço, recordo gargalhando das brigas nas esquinas? ABC, América, Botafogo, Flamengo, Vasco, Falcão ou Cerezo. Zico ou Roberto Dinamite.  

Alberi ou Élcio Xavier, dependendo do time de cada um. Intermináveis discussões que só não terminavam em tapas porque sempre havia a turma do “deixa disso”. Quanta "bobagem importante"

  

Como me aperreava o juízo o Cuíca das Burras, torcedor do América e do Flamengo. Um peste, ai de quem ele pegasse no pé. Cuíca das Burras, jogador viril, dava pau em todo mundo, se tornou depois Jeferson Witame Gomes da Costa, empresário conhecido, dono dos restaurantes Piazzale. A humildade, a generosidade, no entanto, tudo isso continua inalterado.

 

 

Um dos atletas mais versáteis de nosso pedaço, sem dúvida, era um cara conhecido, por nós, pelo apelido de Zinho, diminutivo do diminutivo de Luizinho. Bom no basquete, no vôlei, tênis de mesa, na natação (era atleta do primeiro time do América), também chegou a jogar futebol de campo no Força e Luz. Zinha era esperto também na arte de esconder coisas na sua toalha de banho, aos domingos, quando ele vinha do treino de natação do América e ia “fazer compras” na mercearia do Ézio (já falecido). Hoje, médico renomado de nosso Estado.

 

 

E não poderia esquecer Carlos Eduardo Linhares Rebouças. O “destoante” dessa turma de malucos da Cidade Alta. Carlinhos nunca se envolveu em confusão, discussão, nunca! Torcia, calava, jogava seu futebol de mesa, conquistava títulos e começava a escrever sua história.  

Depois se tornaria bicampeão brasileiro, e ainda faria do seu filho também campeão do Brasil. 

Não chegou a jogar futebol ou futebol de salão  além da “idade da liberdade”, vamos dizer assim, depois se tornando engenheiro de renome em Natal.

 

E vejam a grandeza desse amigo (hoje ele tem cargo de chefia nos três urbanos de Natal), mesmo sendo pivô, e sabendo que eu também jogaria na mesma posição, quer dizer, poderia tirar sua vaga, me levou para treinar na escolinha do América de Olinto Galvão, sonho de todos nós. Um grande cara.

 

Pois é meus amigos, a Cidade Alta produziu médicos, karatecas (foi sede primeira da Academia do Mestre Alves, na esquina da Voluntários com Apodi, no prédio que pertencia a Aparício Menezes de Carvalho), cantores, atores, atrizes, cantoras, empresários, 

 professores, médicos, dentistas, engenheiros,  jornalistas, jogadores de futebol, comerciantes...

 

E se produziu bons jogadores de futebol, justiça seja feita, graças sejam dadas ao Edival “Burro Preto”. Hoje eu nem mais o chamo desse apelido feio, mas se não citar pouca gente vai saber de quem se trata.

 

Edival alugava bicicleta e tinha um time de futebol. O Independente da Cidade Alta. Estão pensando o que? Esse alvirrubro humilde fez surgir para o futebol, acreditem, Marinho Chagas (era conhecido como Chiquinho e jogava de goleiro), Lula, depois do Ferroviário, Fluminense, Internacional e seleção, Tinho, Edmo, Peninha, Zinha,  Zé Carlos, João Maria “Toco”, Gelson, Lerson Fernando, Paulinho, França e tantos e tantos outros.

 

Eita que saudades danada do nosso treinador. O Independente era de futebol de campo e de futebol de salão. Encarava qualquer desafio. Hoje, nosso mestre está meio alquebrado, andando com apoio de uma muleta pelas mesmas ruas.

  

Meu trecho da Cidade Alta saudosa de “seu” Cortez, de Ézio e Zé, da “Mercearia do Ézio”, de “seu” Joaquim”,  depois de Espedito, da padaria Avelino Teixeira, de “seu” Werton, da outra panificadora, do querido alecrinense Auridan, que tão cedo nos deixou.

 

Figuras inesquecíveis como a do benemérito Aparício Menezes de Carvalho (citei acima) , umas das pessoas mais queridas e respeitadas que conheci. Sempre com um palavrão cabeludo para dizer e nos fazer, nós crianças, dar grandes risadas. E sem falar do maldito cigarro que não tirava da boca.

  

Júnior que tinha, até dia desses, sua Mercearia, na esquina da Voluntários da Pátria com a Apodi. Foi ele que, como morava no primeiro andar do mesmo prédio,  certa vez nos surpreendeu roubando bananas através do portão de ferro, puxou do revólver e atirou  para cima, provocando a maior disparada já vista. Teve nego que foi bater na Princesa Isabel, correndo sem parar. Foi um “Deus nos acuda”. Faz tempo que não tenho notícias dele.

  

Lembro com carinho de “Seu Pedro” da Transportadora Potengi ( já falecido, e que fez história e fortuna no segmento, com sua sede na Rio Branco) , grande abcdista apaixonado pelo ABC e  que tinha três filhos bons de bola: “Os três Porquinhos”, amigos queridos – Nenê, Dito e Bilado. . 

 

 E na esquina principal (dos nossos encontros (Apodi com Voluntários da Pátria) como  esquecer  de Zé Sapateiro e sua risada extraordinária: ahahaahahahahahahahahahaaaaaaaaaaaaaaaaaa. Parece que saía direto do pulmão. Dizem que Zé Sapateiro, que era protestante, ao mesmo tempo que consertava os calçados, dava uma paradinha, olhava para um canto e outro...enchia o copinho de branquinha e tomava. Talvez por isso ele sorrisse tanto.

   

Vale sim lembrar o sargento Solon, pai do querido ator Fernandinho Belém e dos amigos Fabinho "Seu Bosta" e de Sérgio Galocha. Com sua espada impressionante (de verdade), saindo altas horas da noite para expulsar a rapaziada da esquina (só de brincadeira, o que ele queria mesmo era bater papo). E o sargento foi fundador do Botafogo, time de garotos.

 

  

Não dá, nunca vou esquecer de personagens como “Zé Mouco”, Seu Isac,  e Ciço Urubu.  Coitado. Já deve ser falecido, claro, faz tempo demais? Chegava na padaria de “seu” Werton e começava o aperreio. Os assobios dos moleques que o deixavam furioso, gritando palavrões que quase ninguém entendia e correndo em busca de pedras para se atingir os provocadores.

 

Nosso querido  Billy Paul. Que figura era o nosso Jaime! Infelizmente já falecido, filho de Dona Débora.  E Albert Joshuá?  Ele  sofria de epilepsia e aterrorizava muita gente, enquanto fazia seu trabalho de “guarda de trânsito” na esquina da Gonçalves Ledo com a Apodi. Ai de quem mexesse com ele. “era vingativo e traiçoeiro”, apregoava. Também já falecido. Alberto era muito temido pelos garotos, mas também era capaz de ficar horas e horas papeando e mostrando seus desenhos (belos) e contando causos.

 

E tinha um certo coronel da Polícia,  não vou dizer o nome na verdade, sujeito asqueroso, autoritário, ameaçador era sim o nosso maior inimigo. Ele frequentava a padaria Avelino Teixeira e sempre ameaçava os que estavam na esquina. Nem gosto de lembrar do sujeito.

 

Certa vez, voltando de madrugada com a bolsa nas costas, tinha chegado de viagem de uma partida do Força e Luz, onde comecei a jogar, e isso perto da minha casa já, na Gonçalves Lêdo, o seboso me abordou ameaçador como sempre, querendo saber de onde eu tinha, para onde ia e o que tinha na minha sacola. Verme bem parecido com alguns que ainda estão soltos por aí.

 

Devo dizer que  fui salvo por Aparício Menezes (meu querido, já me referi a ele) que lhe passou uma descompostura por não me conhecer e explicou que eu era e ainda me fez vários elogios, pois era eu que fazia seu jogo da Loteca toda semana (se já adorava nosso velhinho desbocado, imaginem depois disso).

 

Resumindo, nossos personagens são pessoas comuns, não importando a classe social, e muito menos em que se transformaram, eles ajudaram a construir a história daquele pedaço querido de nosso bairro.

 

Como diz Roberto Lili, muitas “excelências” passaram e continuam a passar pelo bairro. Ele garante que aqueles cruzamentos têm um “chama” e vai citando, e malhando, os novos moradores.

 

Todos temos certeza que o nosso "setor" nunca mais será o mesmo. Não tem mais Praça da Bica, Maria Boa, Campo da Cosern, Olinto Galvão, Mangueirão e nem mais brigas por craques, os craques, ah, esses é que não existem mais. Só lembranças de Bartô Galeno, como diz o Bora Porra.

 

 

 

 

 

 

 

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