A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) concluiu na sexta-feira (23) a primeira semana de depoimentos de testemunhas no processo que investiga uma tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. A notícia é dos repórteres Gabriela Boechat e João Rosa, da CNN Brasil.
Até o momento, foram ouvidas 19 testemunhas, sendo cinco de acusação, indicadas pela Procuradoria-Geral da República (PGR); sete de delator, arroladas pelo tenente-coronel Mauro Cid; e outras sete de defesa, nomeadas pelos réus.
Dentre as testemunhas de acusação, o maior destaque foi para os ex-comandantes do Exército, Marco Antônio Freire Gomes, e da Força Aérea Brasileira (FAB), Carlos de Almeida Baptista Júnior, que apresentaram versões conflitantes sobre acontecimentos.
Ambos são apontados como figuras centrais na contenção da ação golpista supostamente liderada pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Baptista Júnior afirmou que Freire Gomes chegou a ameaçar prender Bolsonaro caso ele tentasse impedir a posse do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), citando a frase: “Se você tentar isso, eu vou ter que lhe prender”.
Freire Gomes, por sua vez, negou o episódio, dizendo que nunca deu voz de prisão ao ex-presidente e que essa versão teria surgido na imprensa.
Os relatos também divergiram sobre o papel do ex-comandante da Marinha, Almir Garnier. Segundo Baptista Júnior, Garnier teria colocado tropas à disposição de Bolsonaro, sinalizando apoio ao golpe. Freire Gomes, no entanto, minimizou o gesto e negou ter interpretado como conluio, apesar de declarações anteriores à Polícia Federal indicarem o contrário.
Diante disso, a CNN apurou que a PGR avalia a possibilidade de pedir uma acareação entre os ex-comandantes, que é um procedimento utilizado para esclarecer contradições entre depoimentos de testemunhas ou investigados, colocando-os frente a frente para confrontarem suas versões.
Os dois concordaram em depoimento, porém, sobre fato essencial: Bolsonaro trabalhou em uma minuta que previa medidas para impedir a posse de Lula. Ambos os ex-comandantes afirmaram ter tido acesso ao documento de teor golpista e rejeitado participação no esquema.
As outras testemunhas de acusação também confirmaram uma articulação golpista.
Adiel Pereira Alcântara, ex-coordenador de Análise de Inteligência da PRF, afirmou ao STF que recebeu do diretor de operações da corporação a ordem para monitorar ônibus e vans de Goiás, São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro com destino ao Nordeste. Segundo ele, o diretor declarou que “era hora de a PRF tomar lado”, por determinação do então diretor-geral, Silvinei Vasques.
Outro depoente, Clebson Ferreira de Paula Vieira, analista de inteligência do Ministério da Justiça, foi questionado se a PRF atuou de maneira distinta conforme a preferência eleitoral das regiões. Sua resposta foi direta: “Totalmente”.
Testemunhas de delator
Na quinta-feira (22), o Supremo passou a ouvir as testemunhas do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid.
A estratégia da defesa foi destacar que Cid era “obediente”, “correto” e “leal”, tentando afastá-lo das intenções golpistas.
Um dos principais depoimentos foi o do general Julio Cesar de Arruda, primeiro comandante do Exército nomeado por Lula, que negou ter impedido a entrada da Polícia Militar no Quartel-General do Exército no 8 de janeiro e rejeitou qualquer envolvimento com tentativas de golpe.
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estemunhas de defesa
A sexta-feira (23) marcou o início da fase final das oitivas: a escuta das testemunhas de defesa.
Começando pelo arrolado por Alexandre Ramagem, o ex-diretor da Abin e delegado Carlos Afonso Coelho afirmou que enfrentou resistência interna ao tentar investigar a legalidade do uso do software espião FirstMile. Segundo ele, servidores se recusaram a prestar informações e reagiram de forma “agressiva”.
O FirstMile, desenvolvido pela empresa israelense Cognyte, teria sido usado ilegalmente para rastrear autoridades por geolocalização sem autorização judicial.
Em seguida, o coronel do Exército Waldo Manuel de Oliveira Aires prestou depoimento como testemunha do general Walter Braga Netto, ex-ministro da Defesa e da Casa Civil.
Segundo Aires, ele e Braga Netto estavam jogando vôlei em Copacabana, no Rio de Janeiro, no momento da invasão às sedes dos Três Poderes.
“Creio que para todos foi uma surpresa porque não esperávamos que ocorresse. Os atos de depredação causaram uma certa surpresa, porque jamais esperávamos até pelo histórico das manifestações dos conservadores, que eram pacíficas. Creio que a relação do Braga Netto também foi de surpresa”, alegou Oliveira Aires durante audiência.
Na parte da tarde, foi a vez das testemunhas do general Augusto Heleno e Almir Garnier, marcando um dos momentos de maior tensão da semana.
Com uma postura combativa, o ex-ministro dos governos Lula e Dilma Aldo Rebelo chegou a ser ameaçado de prisão por desacato à autoridade.
Durante depoimento, Rebelo foi questionado sobre suposto apoio da Marinha a um golpe. Ao evitar resposta direta e falar sobre interpretação da língua portuguesa, foi repreendido pelo ministro Alexandre de Moraes.
O ex-ministro afirmou estar sofrendo “censura” e foi ameaçado de prisão. A tensão continuou até o fim da sessão.
Este foi somente o ponto alto da atuação firme de Moraes, que protagonizou momentos de “broncas” em quase todas as oitivas.
Outro depoente desta sexta-feira foi o senador e ex-vice-presidente Hamilton Mourão (Republicanos-RS). Ele afirmou desconhecer qualquer tratativa sobre um plano para impedir a posse de Lula e manter Bolsonaro no poder.
Mourão disse que todas as reuniões pós-eleitorais das quais participou trataram apenas da transição de governo e que Bolsonaro, embora abatido, demonstrou estar pronto para entregar o cargo.
O atual comandante da Marinha, almirante Marcos Olsen, também prestou depoimento na sexta. Ele afirmou desconhecer qualquer plano de mobilização de tanques para impedir a posse de Lula e disse nunca ter recebido ordem nesse sentido.
Diferentemente das testemunhas de acusação, ouvidas na segunda e na quarta-feira, todos os depoentes desta sexta negaram saber de qualquer plano ou minuta de golpe.
Postura PGR
Inicialmente, a PGR adotou uma postura mais contida, evitando aprofundar os questionamentos sobre divergências em relatos dos depoentes da acusação. No entanto, a atuação de Gonet mudou diante das testemunhas de defesa, passando a confrontar contradições de forma mais incisiva.
Na oitiva de Mourão, por exemplo, Gonet questionou diretamente o ex-vice sobre sua suposta participação em uma reunião em que militares teriam rasgado um decreto golpista assinado por Bolsonaro — fato mencionado por Mauro Cid em delação. Diante da negativa do senador, o procurador perguntou se ele estaria acusando Cid de mentir.
Gonet também interveio nos depoimentos de Júlio César de Arruda e Aldo Rebelo, acusando o primeiro de fugir do tema e cortando o segundo ao lembrar que o papel de fazer perguntas cabia apenas à acusação, aos advogados e aos ministros.
Oitivas
No total, 82 testemunhas foram listadas na ação penal que investiga o chamado “núcleo 1” da tentativa de golpe, considerado o grupo central da articulação para ruptura institucional. No entanto, pode haver desistências no processo, o que significa que nem todas serão ouvidas.
As audiências, realizadas por videoconferência, estão previstas para ocorrer até 2 de junho. Após a fase de oitivas, o ministro relator Alexandre de Moraes deve agendar os interrogatórios dos réus, última etapa antes do julgamento.