Muita gente já teve herpes ao menos uma vez na vida — aquelas bolhas incômodas que surgem geralmente nos lábios, secam e desaparecem após alguns dias. Embora pareça algo inofensivo e recorrente, novos estudos sugerem que o vírus do herpes pode ter uma relação direta com o desenvolvimento do Alzheimer.
O vírus herpes simplex tipo 1 (HSV-1) é capaz de infectar diferentes tipos de células, incluindo neurônios. Após o primeiro contato, ele pode permanecer dormente dentro do sistema nervoso por anos, reativando-se em momentos de estresse, baixa imunidade ou alterações hormonais. Esse processo contínuo de ativação e latência pode desencadear uma resposta inflamatória crônica no cérebro.
O elo entre o vírus e o cérebro
Pesquisas recentes mostraram que o DNA do herpes foi encontrado no cérebro de pacientes com Alzheimer, principalmente nas áreas com maior acúmulo de placas de β-amiloide — um dos principais marcadores da doença. Essas regiões também apresentam alterações na proteína tau e inflamação crônica, todos sinais clássicos do Alzheimer.
Além disso, pessoas com predisposição genética à doença, como aquelas que possuem a variante APOE4, são mais vulneráveis tanto à reativação do vírus quanto à neurodegeneração associada.
Herpes como cofator do Alzheimer
Embora ainda não haja evidência definitiva de que o herpes seja a causa do Alzheimer, muitos especialistas apontam que ele pode atuar como um cofator importante, agravando o quadro em indivíduos geneticamente suscetíveis ou com sistemas imunes enfraquecidos.
Em modelos animais, camundongos infectados com HSV-1 desenvolveram características semelhantes às observadas em cérebros humanos com Alzheimer: placas amiloides, emaranhados da proteína tau e inflamação cerebral. Esses achados reforçam a hipótese de que o vírus pode ter um papel mais relevante do que se pensava.
Terapias antivirais: um possível caminho
Diante dessas descobertas, cientistas estão investigando se medicamentos antivirais, como o aciclovir, poderiam retardar a progressão do Alzheimer. Em laboratório, o aciclovir mostrou potencial para reduzir não apenas a replicação viral, mas também os níveis de β-amiloide e tau em células infectadas. Estudos epidemiológicos iniciais apontam ainda que o uso prolongado de antivirais pode estar associado a uma menor incidência de demência.
Apesar disso, os ensaios clínicos em humanos ainda estão em fase preliminar. Pesquisadores acreditam que, no futuro, uma abordagem terapêutica combinada — incluindo antivirais, anti-inflamatórios e neuroprotetores — possa se tornar uma alternativa promissora na prevenção e tratamento do Alzheimer.
Vacinas e prevenção da demência
Outro ponto que ganhou destaque foi a relação entre vacinas contra o herpes-zóster e a redução no risco de demência. Um estudo realizado no País de Gales, publicado na revista Nature, acompanhou mais de 280 mil idosos e mostrou que a vacinação contra herpes-zóster reduziu em até 20% o risco de desenvolver demência — especialmente entre mulheres, que têm maior propensão à doença.
Acredita-se que a vacina ajude a prevenir a reativação do vírus e, consequentemente, a inflamação crônica no cérebro. No entanto, o estudo utilizou a vacina Zostavax, que já foi retirada do mercado. Pesquisas futuras devem avaliar se a vacina mais recente, a Shingrix, terá os mesmos efeitos positivos.
Hipótese infecciosa do Alzheimer
Há tempos a ciência debate a possibilidade de que o Alzheimer tenha uma origem infecciosa, causada por vírus, bactérias ou até fungos. Além do herpes, outros patógenos, como a Chlamydia pneumoniae e a Porphyromonas gingivalis, já foram relacionados ao surgimento da doença.
Embora essas infecções não sejam consideradas causas diretas, elas parecem criar um ambiente propício para a degeneração cerebral, sobretudo em pessoas com predisposição genética. O cérebro, nesse contexto, funcionaria como um campo de batalha imune, constantemente agredido por agentes infecciosos.
Um novo horizonte na luta contra o Alzheimer
A relação entre herpes e Alzheimer é mais uma peça no complexo quebra-cabeça da neurodegeneração. Apesar de ainda não existirem respostas definitivas, o avanço das pesquisas aponta para novas possibilidades terapêuticas, com foco na prevenção, controle de infecções e modulação da resposta imune.
Enquanto isso, os especialistas reforçam a importância de manter um sistema imunológico saudável e seguir o calendário de vacinação, especialmente em pessoas com histórico familiar de demência.