A indicação em bula é para obesidade ou diabetes tipo 2, mas há quem use as chamadas canetas emagrecedoras —como Ozempic, Wegovy, Mounjaro— sem nenhuma dessas condições ou qualquer acompanhamento médico, simplesmente porque quer perder alguns quilinhos que considera excessivos, caber na roupa antes da festa ou ficar ainda mais magro.
“Esses medicamentos são seguros, mas não têm indicação estética. E, como qualquer droga, podem ter efeitos indesejados. Quando bem indicados, os benefícios se sobrepõem a esses efeitos. Quando não há indicação médica de uso, portanto, os efeitos adversos podem ser piores”, afirma Adriano Segal, coordenador do Departamento de Psiquiatria e Transtornos Alimentares da Abeso (Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica).
Na prática, a automedicação sem acompanhamento médico leva as pessoas a usarem doses erradas e aumentarem as mesmas sem critério, segundo Cynthia Valério, subcoordenadora do Departamento de Obesidade da Sbem (Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia). “Tem gente que aplica a dose semanal, não vê efeito imediato e já a aumenta erroneamente por conta própria. Tem ainda quem use diariamente um medicamento que é semanal. Efeitos como mal-estar, vômito, desidratação, tontura e falta de energia estão muito relacionados a esse mau uso.”
A falta de indicação e acompanhamento traz ainda maior risco de desnutrição e de perda excessiva de massa magra, que pode impactar também na massa óssea e no envelhecimento. Segundo Segal, náusea, desidratação, refluxo, azia, constipação, tontura e dor no estômago estão entre outros possíveis efeitos. “Ninguém precisa realmente perder 3 kg ou 4 kg; as pessoas desejam perdê-los. Mas não faz sentido alguém se expor a esses efeitos por esse motivo.”
Desde junho deste ano, as canetas emagrecedoras só podem ser vendidas com receita médica, o que ajuda a coibir o mau uso, mas os médicos ouvidos dizem que ainda há maneiras de burlar as regras —receitas falsificadas, farmácias que vendem os remédios mesmo sem prescrição, pessoas que pegam emprestadas as canetas de outra pessoas, entre outros jeitinhos.
O uso por conta própria das canetas para fins puramente estéticos está muito ligado à volta da magreza excessiva como tendência. Celebridades e influencers têm exibido silhuetas menores —e alguns admitem o uso do medicamento com esse propósito, como o cantor Zé Felipe, que disse ter utilizado Ozempic para perder a barriga. Como esses tratamentos custam caro —pelo menos cerca de R$ 1.000 por mês— , a magreza torna-se cada vez associada à riqueza e vira objeto de desejo também por esse motivo.
“Entendo que até pelo alto custo desses medicamentos a magreza possa até parecer algo elitista, mas para nós, médicos, nunca foi sobre peso, mas, sim, saúde. Hoje o desafio na prática da clínica privada é traçar essa linha com pacientes e alcançar um peso saudável, não o ideal, e mantê-lo. Quem quer uma magreza em excesso pode estar tão doente e desnutrido como quem tem obesidade, com deficiência de vitaminas, queda de cabelos, unha quebradiça, entre outros efeitos”, diz Cynthia Valério.
Segal afirma que quem usa uma medicação injetável de alto custo para ficar ainda mais magro do que já é não tem necessariamente um transtorno alimentar —a pessoa pode estar mal informada ou usar porque algum conhecido indicou—, mas, se tiver predisposição, o remédio pode, sim, ser um fator desencadeador. Não que isso seja novidade; no passado usavam-se os medicamentos para emagrecer disponíveis até então, mas agora, com as canetas emagrecedoras, a perda de peso é maior e mais eficaz.
Já de acordo com Cynthia Valério, os estudos mostram que as canetas não aumentam o risco de transtornos alimentares, pelo contrário. Para quem tem bulimia e compulsão alimentar, que podem estar associados ao excesso de peso, os remédios são indicados e podem ajudar no tratamento.
Já quem tem tendência à anorexia não deveria receber indicação nem utilizá-los. “O abuso desses medicamentos sem acompanhamento médico ou a pessoa que acha que deve ter o mesmo peso de quando tinha 15 anos são distorções. Vemos alguns casos no consultório, mas são exceções, casos em que há um terreno fértil para transtorno alimentar. O que mais vemos são pessoas que passam a ter um peso saudável e uma chance de ter qualidade de vida que não seria possível sem essas medicações.”
Folha de S.Paulo