MP apura suspeita de manipulação de resultado em participação de time do RN em competição regional

15 de Maio 2023 - 18h15

Por Júnior Lins

O imprevisível sempre foi o mais encantador no futebol. Não à toa, o esporte ganhou aquela tradicional frase de que "é uma caixinha de surpresas". No entanto, a interferência do dinheiro pode colocar em xeque a beleza da autenticidade dentro das quatro linhas. Jogadores, grupos criminosos e apostas são os pilares de um esquema que tem roubado a atenção dos admiradores do esporte.

Os esquemas de manipulação em jogos futebol que antes eram tratados como meras "teorias da conspiração", agora surgem como fios de um novelo de lã, em que quanto mais são puxados, mais se revelam. Por mais que se acredite que essas situações acontecem apenas em solo distante, já há indícios de mais de um time do Rio Grande do Norte citado em escândalos desse tipo.

A operação "Game Over", dos Ministérios Públicos da Paraíba e de Pernambuco, encontrou sinais de que a partida de uma competição regional com o envolvimento de um time potiguar teve interferência criminosa. Como resultado, essa operação chegou a prender um homem apontado como líder do esquema. 

Conforme informado pelo promotor de Justiça e responsável pela fiscalização do cumprimento do Estatuto do Torcedor no Rio Grande do Norte, Luiz Eduardo Marinho, diversas provas e relatos coletados pelo MP foram enviados, de forma informal para colaborar na operação. Isso porque a partida teve atitudes suspeitas de um jogador, que teria sido cooptado por um grupo especializado em manipulação de jogos de azar.

"Recentemente, foi preso na Paraíba o responsável por um esquema grande de manipulação de resultado na região. Nós já tinhamos, inclusive, informações sobre a atuação desse rapaz. Informalmente, eu comuniquei alguns relatos recebidos aqui na minha promotoria, porque a investigação tinha que ocorrer lá, e ele, foi preso, não somente por essas informações, como por outras", contou.

A situação remete ao que tem sido descoberto na operação Penalidade Máxima, que é do MP de Goiás. A atuação dos criminosos não se restringe a apenas um estado. Normalmente, os apostadores tentam ampliar a rede de resultados com clubes, até mesmo, de outras regiões, o que cria uma rede de esquema em diversos locais, para dificultar a atuação dos órgãos de investigação. Não à toa, Marinho já defendeu que houvesse uma federalização na responsabilidade dos trabalhos das forças de segurança nesses casos.

Há situações também de jogadores utilizados de outras formas para atuar nesses esquemas. Os atletas viram itens fáceis de serem despistados, pois circulam por diversos clubes e acabam sendo de difícil localização, por não serem de grande destaque no cenário futebolístico. Nesse caso, os golpistas os contratam para apenas uma ou duas partidas e, logo em seguida, os dispensam e os remanejam para outro lugar.

ESTADUAL DE 2021 EM XEQUE

Conforme foi apurado pela redação da 96, existem informações que lançam uma nuvem de desconfiança sobre o Campeonato Potiguar de 2021, que teve o Globo FC como campeão. A suspeita está relacionada à "estranha" parceria do time de Ceará-Mirim com uma empresa do Acre que teria tido influência direta na contratação de jogadores e, também, na suspeita de manipulação de resultados.

A empresa chegou como investidora do Globo para a temporada. A proposta era investir no clube e lucrar com as bonificações de competições nacionais e regionais que estariam no calendário do time potiguar. No entanto, além de aplicar dinheiro no time, uma das sócias da empresa teria tentado aliciar jogadores e até o treinador de outra equipe que disputava o Estadual naquele ano.

Há suspeitas, também, de que esse esquema tenha influenciado em decisões, não só na contratação de jogadores, mas também na rescisão de alguns contratos, inclusive, do treinador da época, Renatinho Potiguar. Renatinho pediu demissão em meio a uma série de resultados positivos com o grupo. 

Um ponto alto dessa situação foi o vídeo vazado de um momento de possível interferência do presidente de honra, Marconi Barreto, no vestiário, em um episódio que gerou desconfiança, inclusive, de órgãos de investigação, como Polícia Civil e MPRN. 

A reportagem descobriu que pessoas foram ouvidas nessas investigações e até solicitações de quebra de sigilos foram feitas, sendo algumas negadas. Segundo apurado, figuras "importantes" no futebol potiguar estariam envolvidas.

Mesmo assim, a investigação seguiu e chegou a virar denúncia formal na Justiça Estadual. O caso, no entanto, acabou tendo sua tramitação suspensa, porque a suspeita "sumiu do mapa". 

SUSPEITAS VÃO MUITO ALÉM DO GLOBO

A relação "estranha" entre o clube e a empresa do Acre, apesar de ter sido um caso levado adiante e se transformado em denúncia formal, não foi o único motivo de suspeita que atingiu o futebol potiguar naquele ano. Um polêmico jogo entre Força e Luz e Assu, teve 19 escanteios apenas no primeiro tempo e chegou a fazer uma casa de jogos de azar retirar a opção da lista de possíveis apostas dos interessados, pela situação "estranha" para aquela partida. (veja os lances bizarros no vídeo abaixo).

Teve mais: naquele mesmo ano, o Potiguar de Mossoró viu, pelo menos, seis atletas, o presidente Benjamim Machado e um diretor de futebol deixarem o clube, após derrotas seguidas. E quem levantou uma suspeita foi o lateral Mattheus Gaúcho, que atuava pelo clube e participou dessa debandada. 

  • Meu pai e minha mãe me deram princípios. Vagabundos sem caráter se vendem! EU NÃO! Eu respeito a tradição desse clube e eu era o maior interessado em ajudar a lutar por esse clube, mas ao invés disso desprezaram quem queria ajudar”, disse Mattheus Gaúcho pelas redes sociais, na época.

Esses dois casos levantados pela reportagem da 96 e outros mais, citados na época por torcedores, jogadores e jornalistas, no entanto, não foram adiante em investigações formais de instituições ligadas ao controle do futebol. E o motivo, conforme foi dito à 96, está longe de ser a ausência de indícios. Na verdade, o fator determinante, foi a simples falta de uma denúncia formal, fundamental para a abertura de inquéritos para esses conteúdos.

PENALIDADE MÁXIMA TRANSFORMA DENUNCIAS LOCAIS EM ESQUEMA NACIONAL

Em sua segunda fase, a Operação "Penalidade Máxima", do Ministério Público de Goiás, apontou que grupos criminosos convenciam jogadores, com propostas que iam até R$ 100 mil, a cometerem lances específicos em partidas para gerarem o lucro de apostadores em sites do ramo. De acordo com a investigação, jogadores cooptados assumiam a missão de, por exemplo, cometer um pênalti, receber um cartão ou até mesmo colaborar para a construção do resultado da partida - normalmente uma derrota de sua equipe.

No tocante à operação, as primeiras denúncias ouvidas surgiram no fim de 2022, quando o volante Romário, então jogador do Vila Nova (GO), aceitou R$ 150 mil para cometer um pênalti contra o Sport, em partida válida pela Série B do Brasileiro. Na ocasião, o atleta embolsou R$ 10 mil imediatamente e só ganharia o restante caso o plano funcionasse. Romário, porém, sequer foi relacionado para a partida, o que estragou a ideia.

O zagueiro do Santos, Eduardo Bauermann, que recebe cerca de R$ 200 mil de salário, entrou em acordo com os apostadores para receber R$ 50 mil se fosse expulso no jogo contra o Botafogo, em que o Alvinegro praiano perdeu por 3 a 0. O atleta acabou não conseguindo o cartão vermelho e ficou refém da organização.

Diante da polêmica, a Confederação Brasileira de Futebol (CBF) criou um núcleo para acompanhar volumes de apostas. Esse grupo é responsável por monitorar se há algum movimento suspeito em um jogo de pouco valor ou em algum time com chances improváveis.

MPRN DEFENDE INVESTIGAÇÃO NACIONAL

O promotor de Justiça e responsável pela fiscalização do cumprimento do Estatuto do Torcedor, no Rio Grande do Norte, Luiz Eduardo Marinho, pediu uma investigação por parte da Polícia Federal sobre o esquema que liga apostadores a resultados de jogos de futebol.

Conforme dito por Marinho, é necessária uma intervenção de órgãos federais para poder encontrar os responsáveis, que costumam dar esses "golpes" e migrarem de estados como forma de despistar os órgãos de segurança estaduais.

"O que eu acredito é que hoje precisamos de uma federalização dessas investigações. Elas precisam ser globalizadas. São várias ramificações e o resultado será melhor se conseguirmos desbaratar essa quadrilha, que age em todo o Brasil. Da forma como está acontecendo, são situações pontuais, em casos que acontecem na Paraíba, no Ceará e no RN. Assim como amanhã elas podem circular por esses estados e isso tem causado problemas na investigação", afirmou.

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O caso descoberto na operação Penalidade Máxima, no Ministério Público de Goiás, ganhou maiores proporções e conseguiu atingir outros estados e diversos envolvidos. Com toda essa avalanche de casos, o ministro da Justiça, Flávio Dino, que mandou a Polícia Federal ajudar nas investigações, ao ser provocado sobre o assunto disparou:

“Sinceramente, não vejo razão para isso (suspender os campeonatos), a não ser que as investigações mostrem comprometimento ainda maior. Sendo casos isolados, você tem que, de fato, separar essas pessoas e impor sanções para que o campeonato possa acontecer”, disse Dino.

Ou seja, para um bom entendedor, está claro que o ministro da Justiça não descarta totalmente essa possibilidade, quando diz: “A não ser que as investigações mostrem comprometimento ainda maior”. 

CPI DAS APOSTAS

Diante de toda essa repercussão, deputados devem escolher na próxima terça-feira (16) os nomes da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das apostas de manipulação de resultados no futebol. A previsão é que a CPI seja instalada até quarta-feira (17), ao mesmo tempo que duas outras: a do MST e a da Americanas. Os parlamentares devem escolher quem ficará com a relatoria e a presidência e, ainda, indicar os deputados que vão compor o colegiado.

Deputado federal (PSB-RJ) e ex-presidente do Flamengo, Eduardo Bandeira de Mello, é um dos nomes que devem estar na lista dos integrantes. Eduardo foi convidado por Felipe Carreras (PSB-PE) pela ligação que tem com o esporte. Carreras é o autor da proposta da CPI e o principal nome para ocupar a presidência da comissão.

CBF afirma que não há hipotese de paralisar o Brasileirão

Acompanhando todos os acontecimentos e denúncias de manipulação de resultados no futebol brasileiro, a Procuradoria da Justiça Desportiva vem a público informar que está investigando e apurando todo os casos deflagrados na Operação Penalidade Máxima, orquestrada pelo Ministério Público de Goiás, além dos casos oficiados pela Confederação Brasileira de Futebol em que a empresa Sportradar identificou movimentações suspeitas nos sites de apostas em jogos relacionados aos campeonatos nacionais.

Atentos e preocupados com a manutenção da credibilidade do futebol brasileiro, a Procuradoria destaca que vem atuando através da troca de informações e a colaboração entre as instituições (Ministério Público de Goiás x STJD) agindo para que todos os envolvidos sejam denunciados e levados a julgamento com base no que prevê o Código Brasileiro de Justiça Desportiva (CBJD).

Cumpre ressaltar ainda que, neste momento, não há nenhuma hipótese de paralisação de qualquer competição ou anulação das partidas, uma vez que não há qualquer indicio do envolvimento dos clubes e das casas de apostas.

Desta forma, com a identificação e comprovação da participação de atletas, os mesmos serão denunciados e punidos com penas de suspensão de 180 a 720 dias, cumulada com multa de até R$ 100 mil e, em casos de reincidência, a eliminação do atleta (penas previstas nos artigos 243 e 243-A. ambos do CBJD).

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