Por Edmo Sinedino
Praia do meio de um dia qualquer, 11h, sol a pino, ventos do mês de agosto quase levam de roldão uma figura raquítica que espera no meio fio para atravessar a rua. Olho a pessoa, estremeço, nele reconheço o craque da minha época. Um jogador fantástico de dribles fáceis, arrancadas impressionantes, fôlego de gato, meia que criava e também marcava, ídolo do América.
Todo mundo apostava no seu futebol. Bem, nem todos, sempre tinha os “coveiros” de parte da imprensa que preferiam não enxergar o talento, afinal era mais um “santo de casa” e para eles, com raras exceções, os clubes tinham que investir nos "medalhões" que levaram público aos estádios. Esses, sem dúvida, fazem parte do pacote que, ao lado de figuras de ex-presidentes de clubes e federações, radialistas, que fizeram com que o futebol do RN estivesse na situação de pior do Nordeste.
Mas voltemos ao nosso craque. Olhei com imensa tristeza. Juro, confesso, fiquei com vergonha de me dirigir a ele. Coitado, consumido pelo álcool, doença que já encerrou tantas carreiras, o “meu meia” está só o couro e o osso, como se diz. Seu corpo é seco, as pernas, outrora firmes, estão trôpegas, as roupas que veste estão amassadas, gastas e sujas. Dá para ver que foram usadas também para dormir, e provavelmente no desconforto de uma calçada, uma praça, um local qualquer que nem pode ser chamado de abrigo.
Os olhos do “meu meia” de apenas 60 anos (sei bem da sua idade porque ele é dois anos mais jovem que eu) são fundos, amarelados, por sobre um rosto marcado, envelhecido, de pele cinza esverdeada. Enfim, tomei coragem, me aproximei, sorriso no rosto, tento falar .Normalmente, escondo minha emoção. Não quero que ele saiba que estou percebendo seu estado crítico, a sua ruína. Pode parecer um termo duro, mas não existe outro.
Pergunto da vida, coisas banais, me inquieta não ter intimidade suficiente, sempre jogamos em times opostos, ele no América e eu no Alecrim, para ir direto ao ponto, aconselhando-o um lugar para recuperação de doentes vítimas do maldito álcool. Ele também se mostra incomodado, sabe que sua vida está exposta.
Orgulhoso, não gosta disso. Apressa o passo, diz que está esperando um dinheiro que a irmã vai mandar, por isso tem que ir ao banco. Promete aparecer no Frasqueirão, próximo encontro de final de ano promovido pela diretoria do Master do ABC. E por fim, no desespero de me fazer crer, afirma que está há mais de um mês sem beber. Ainda pergunto se precisa de ajuda. Ele gagueja que não, sai quase correndo, subindo a ladeira do sol,desaparece.
Meu peito fica apertado. Relembro os "conselhos" (que horríveis!!) de alguns ex-jogadores "Quem não bebe, não joga" coitado do "meu meia", embarcou de cabecinha jovem e tonta nessa conversa fiada. E hoje? Sumiram todos os seus amigos, aqueles com quem andava para todos os lugares. Ainda aparecem alguns para pagar bebida, sempre. Mas ninguém lhe dá a mão de verdade, um abrigo, um emprego, um tratamento. E hoje, coitado do "meu meia", tem que dormir, muitas vezes, embaixo das arquibancadas do Estádio Juvenal Lamartine ou perabulando por praças.
O pior de tudo isso é que igual a esse ex-ídolo da nação americana existem centenas de outros iguais que não souberam administrar a "passagem" para a despedida dos campos.
PS: republico esse texto agora no portal da 96fm, pois dia desses, na Cidade Alta, Álvaro e Sandoval, dois ex-companheiros desse mesmo "meia guerreiro" estavam à sua procura, vejam só já se passaram alguns anos desde essa minha narrativa, pois ele continua na sarjeta, situação agravada, agora com lapsos de memória, perdido, sem saber onde está. Esses dois amigos, de verdade, o encontraram no banco da praça dos três poderes, na Cidade Alta e o encaminharam para sua cidade, aqui no Agreste potiguar. O mais triste de tudo isso é que a história desse ex-craque não é única, e se repete aqui e em todos os cantos do Brasil.
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