Ministério da Justiça contratou a empreiteira de um investigado por corrupção para construir uma muralha em torno do presídio federal de Mossoró, no oeste do Rio Grande do Norte, de onde dois detentos escaparam em fevereiro do ano passado. A obra é uma das promessas de Ricardo Lewandowski à frente da pasta e está sob o comando da Konpax Construções, que receberá cerca de R$ 30 milhões pelo serviço.
Relatório do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) identifica que, de maio de 2019 a outubro de 2020, o então sócio e atual diretor da empresa, Charlys Cunha de Farias Oliveira, efetuou movimentações suspeitas de R$ 3 milhões. O órgão, responsável por coibir ilícitos tributários e lavagem de dinheiro, considerou o valor incompatível com a renda do executivo, que na época foi preso preventivamente por suspeita de estelionato, crime pelo qual responde em outro processo.
A Secretaria Nacional de Políticas Penais (Senappen) do ministério, que fez a contratação, afirma que não tinha conhecimento de denúncias ou processos contra o empresário. “A habilitação e a contratação da empresa observaram integralmente a legislação aplicável à época, com base na documentação exigida.”
A Konpax diz, em nota, que “as questões legais respondidas pelo Sr. Charlys Oliveira estão sendo tratadas por sua defesa e que todos os fatos e indícios apontam para a higidez de sua conduta”. Também destaca que a empresa não é investigada.
No ano passado, o Estadão havia revelado que o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) contratou outra empresa, em nome de um “laranja”, para fazer obras de manutenção dentro dessa mesma penitenciária federal, no Rio Grande do Norte.
Sócio de empresa foi detido com cheque de R$ 49 milhões
Em setembro de 2020, o empresário Charlys Oliveira foi detido em uma agência do Banco do Brasil em Fortaleza após tentar descontar um cheque de R$ 49 milhões. Segundo o Ministério Público do Estado, o valor diz respeito ao crédito de um contrato falso firmado pela Konpax com uma empresa de informática. O gerente do banco suspeitou da operação e acionou a Polícia Civil.
Charlys Oliveira passou 32 dias no presídio de Aquiraz, no interior do Ceará, e foi solto após a defesa alegar que ele tinha residência fixa, emprego formal e não representava risco à ordem pública. Ele é acusado de estelionato, associação criminosa e falsidade ideológica. O processo tramita na 8ª Vara Criminal de Fortaleza.
As suspeitas levantadas pelo Coaf ensejaram a abertura de uma apuração pela Polícia Federal em 2022. Durante as diligências, a Controladoria-Geral da União (CGU) foi consultada e informou que outras duas firmas de Charlys Oliveira, a Solid Gestão e Tratamento de Resíduos Sólidos e a Eco V Monitoramento Ambiental, tinham ganhado R$ 25 milhões em contratos para a coleta de lixo em cinco municípios do interior do Ceará desde 2014.
Como não havia nenhum negócio com a administração pública federal, a competência foi transferida para autoridades estaduais, que passaram a investigar se o dinheiro movimentado pelo empresário tinha relação com a assinatura de contratos públicos pelas suas empresas.
A Polícia Civil do Ceará abriu inquérito em abril do ano passado, três meses antes do início do processo licitatório que escolheria uma empresa para erguer um muro ao longo de um perímetro de 800 metros em volta da penitenciária onde estão presos alguns dos principais líderes de facções criminosas do País.
Em setembro, a Konpax foi escolhida para executar a obra por ter oferecido o melhor preço na disputa contra 18 concorrentes. Charlys Oliveira já não fazia mais parte do quadro societário da empresa, cuja representante legal, hoje, é a sua irmã, Bárbara Cunha de Farias Oliveira, que assina atos oficiais em nome da empreiteira.
Mas documentos custodiados pelo Ministério da Justiça, como ofícios, atas de reuniões e trocas de e-mails mostram que é ele quem comanda o negócio. Em algumas ocasiões, é tratado como sócio-administrador, embora não tenha mais participação na empreiteira, e em outras, como diretor. Também recebe todos os comunicados eletrônicos da pasta relacionados à execução da obra.
O empresário não tem mais participação nas firmas de coleta de lixo. Hoje, a única empresa de que é sócio é a Agos Construções, que mantém consórcio com a Konpax. A CGU já tinha conhecimento das investigações contra ele quando o contrato foi assinado, mas como a empreiteira não é alvo dos processos nem está na lista de empresas inidôneas, o processo pôde seguir.
Em abril, Charlys viajou a Brasília, onde participou de reunião na sede da Senappen.
O ajuste é uma tentativa de dar celeridade à obra, que enfrenta atrasos. O estágio de execução, hoje, é inferior a 10%, enquanto o cronograma inicial previa 59% de conclusão já em novembro.
O que diz a Senappen
A Senappen afirma que a Konpax indicou Charlys Oliveira como o interlocutor da empresa com o governo e negou ter conhecimento das investigações contra ele. Também garante que a licitação seguiu os trâmites exigidos em lei. “Reforça-se, portanto, que foram observados todos os procedimentos e requisitos legais previstos nas normas que regem as contratações públicas”, continua.
Quanto ao atraso, informou que, durante a fase inicial, identificou-se condições geológicas distintas da amostragem preliminar, com presença de volume de rochas acima do estimado. A situação, segundo o órgão, não caracteriza falha de projeto, e sim “variação natural identificada apenas durante a escavação”. Também sustentou que o atraso “decorre de fatores operacionais atribuídos à empresa contratada”
“O atraso na execução decorre de fatores operacionais atribuídos à empresa contratada. Durante a fase inicial, foram identificadas condições geológicas distintas da amostragem preliminar, com presença de volume de rochas acima do estimado, situação possível em obras de engenharia e que não caracteriza falha de projeto, mas sim variação natural identificada apenas durante a escavação.”
Com informações de Estadão