O Alecrim participou, meados do ano, segundo semestre, de um campeonato brasileiro do módulo amarelo, seria assim como uma Série B de hoje. Devo dizer, sem falsa modéstia, que tive grandes atuações, numa delas em Recife, no estádio Arruda quase lotado.
Naquela noite inesquecível e mesmo o Alecrim tendo perdido de goleada, 4 a 1, nosso goleiro estava numa tarde-noite infeliz, fui escolhido o melhor da partida e o vestiário do time verde foi invadido por um batalhão de repórteres, e todos para fazer entrevista comigo.
Os torcedores do Santa Cruz me esperavam ao lado do ônibus do Alecrim – Periquitão – me parabenizando e, como todo torcedor, querendo que eu viesse, fosse, para o Santa Cruz. Essa sorte eu não tive. Muits chegavam a puxar meu braço e dizer: "ei galeguinho você tem que jogar num time grande. venha para o Santinha". Momentos de muito orgulho.
Bom, final do Módulo Amarelo, nosso treinador, queridíssimo e saudoso Ivo Egon Hoffman ( a pessoa maravilhosa que me fez jogar meu meljhor futebol) adoeceu seriamente e não poderia continuar comandando a equipe, pelo menos por enquanto, passaria por um tratamento. Um novo treinador teria o Alecrim a partir de então.
Hélio Lopes
O escolhido foi Hélio Lopes, treinador que tinha passado por equipes menores, inclusive fazendo um bom trabalho no Riachuelo. Hélio, nos tempos de jogador profissional, atuava de lateral esquerdo, tinha no currículo uma passagem pelo Santos de Pelé. Isso mesmo, jogou ao lado do Rei.
Pois bem, numa segunda-feira, programa de sucesso na rádio Trairi de Natal, comando de Assis de Paula, Hélio Lopes era o convidado, um dos, a falar de futebol. Durante a entrevista, minha opinião que não mudou, ele cometeu um dos pecados que um treinador inteligente não cairia no erro absurdo de incorrer.
Não tinha biotipo
No ar, no programa de maior audiência do rádio na época (ficava gente na calçada, na janela para ver e ouvir) e, à certa altura, quando perguntado sobre reforços que ia solicitar, o que pensava fazer no trabalho que iniciava no novo clube, afirmou textualmente, inclusive para surpresa do saudoso apresentador Assis de Paula que, posso dizer, era fã de meu futebol: “precisaremos de reforços, principalmente no meio-campo, pois veja bem, o nosso meia, o Edmo, não tem biotipo para jogar na posição”.
No que Assis ainda ponderou dizendo que eu havia sido o maior destaque do Alecrim na competição que se encerrava, inclusive destacando o interesse de clubes como Santa Cruz, Náutico e Vitória. Ele meio que tartamudeou, parece que viu a besteira que tinha dito, mas já era tarde.
O massagista me conta
Tudo isso, o que foi dito na entrevista, eu fiquei sabendo depois, na terça-feira à tarde, quando cheguei na sede da Alexandrino de Alencar, pois não acompanhava os programas de rádio ou notícias de jornais, nunca tive essa preocupação. O massagista Lima veio me contar o que o novo treineiro declarara na entrevista.
Fiquei sem acreditar, pasmo, nervoso, furioso, devo dizer. Um outro jogador, não lembro quem, confirmou o disparate do Hélio Lopes no programa. Fumaçando, cego de indignação, imaginem. 'Era essa a recompensa que receberia pelas minhas boas atuações'. Depois me falaram que o Lopes queria trazer alguns valores do RAC, entre eles um meia, Roberto Araújo, bom jogador, para ser o titular da equipe no meu lugar.
Fquei com vista turva. Indignado, o coitado do massagista (querido Lima já falecido) ficou com medo e tentou me acalmar. Era impossível. Fui lá pra fora e não quis mais conversar com ninguém. Em frente à sede, no canteiro, algumas árvores, me escorei numa algaroba jovem e fiquei esperando a chegada do técnico.
Clima de tensão
Os colegas se aproximavam reticentes, me cumprimentavam, eu respondia monossilabicamente. Quem perguntava eu respondia que estava esperando o técnico para uma conversa, e como a maioria já sabia da entrevista foi sendo criado um clima de tensão. Meu querido baixinho Odilon, me olhava de longe, preocupado.
Naquela época, vejam só, o Alecrim tinha um gerente de futebol que certamente estava ciente do assunto, bem que poderia ter se antecipado, conversado comigo, me aconselhado, talvez tivesse evitado o caso. Bom, lá pras tantas, chega Hélio Lopes, com o seu jeito bonachão, cercado de alguns amigos. Na calçada, temerosos, alguns companheiros e o médico Roberto Vital, com pouco tempo de clube.
"Não devo satisfação a jogador"
Fiz sinal, ele olhou na minha direção e, falando alto, eu disse que queria falar com ele. Atravessou a rua e veio ao meu encontro, na árvore onde eu estava. Quando ele chegou perto e disse com sua voz empostada "diga garoto" eu fui logo despejando: “que treinador vagabundo é você que chega numa equipe e na primeira entrevista que concede já vai desqualificando um jogador do seu time…”, eu ia falar muito mais, mas ele levantou a mão, me mandou parar e disse com sua mesma voz empostada: “não devo satisfação a jogador…”
Se já estava completamente descontrolado, tomado pela revolta, raiva incontida, o desprezo com que ele falou me fez explodir: “Não tem que dar satisfação o quê, seu treinador…” e proferi alguns impropérios ao mesmo tempo que o empurrava com as mãos em seus peitos. E quando ele veio de novo na minha direção, me apoiei no galho da árvore e iria, certamente, acertar o rosto do camarada com meu pé direito já direcionado…neste exato momento senti alguém me agarrar pelas costas e me suspender no ar, sorte de todos que eu era muito magrinho, pesava somente 59 quilos.
Roberto Vital
Esse “anjo” salvador foi o médico Roberto Vital. Me enlaçou, me puxou, me levou para o outro lado lado da rua procurando me acalmar, enquanto Hélio Lopes era levado pelo gerente de futebol (salafrário que passei muitos anos pensando ser meu amigo, esse não posso revelar o nome) para dentro da sede.
Fui embora para casa. Suspenso pela diretoria. Muito provavelmente, seria emprestado mais uma vez. Fiquei em casa. Para minha sorte, o Verdão tinha jogos seguidos. O novo Alecrim de Hélio Lopes (ele era muito falador) perdeu para o ABC, clássico, jogando muito mal, empatou sem gols com o Riachuelo, ex-time dele e nos dois jogos, o Roberto Araújo, jogador clássico, mas muito lento, se saíra muito mal. No campo, a FERA já pedia a minha volta e a saída do comandante.
"O treinador safado caiu"
Numa quarta-feira, como sempre fazia, cheguei no Chapinha (lanchonete da Cidade Alta, nosso point de todos os dias) depois das 10 da noite. Naquela dia, o Alecrim iria enfrentar o Atlético, lanterninha deste começo de campeonato. Não procurei escutar, havia já, confesso, tirado o futebol de minha cabeça. Certamente, contava ele, treinador, que ganharia o fraco rubro-negro e teria uma sobrevida no cargo.
Quando botei o pé na porta, Silvano, o caixa da lanchonete, alecrinense apaixonado, assim que me viu foi dizendo quase gritando chamando a atenção dos fregueses: “se prepare para voltar, o treinador safado caiu”. Eu indaguei o motivo e ele disse que o time havia perdido de 2 a 0 para o Atlético e a diretoria demitiu Hélio Lopes no vestiário.
Voltei ao time verde. O Alecrim começou a remontagem do elenco e com várias boas contratações a equipe rivalizou com o América que, naquela temporada, foi bicampeão, pois tinha um timaço. E pronto. Só sei que foi assim, mais um capítulo de minhas intermináveis “maquerenças” do futebol.