Conheça o homem que pode explicar os primeiros 3 bilhões de anos da vida na Terra
Rochas, penhascos, pedreiras escavadas na terra. O que não representa muito para a maioria de nós, para o paleontólogo Andrew Knoll são repletos de significado, contando uma história que ele diz ser muito mais grandiosa e cheia de reviravoltas na trama do que qualquer filme de sucesso de Hollywood.
Essa é a história da Terra – como o planeta passou de uma rocha coberta de oceanos de magma atingidos por cometas e meteoros para um orbe verde e azul repleto de vida. Entre aqueles primórdios inóspitos e o agora, continentes se formaram e se separaram, cordilheiras apareceram e desapareceram, calotas polares se espalharam e recuaram. Estes são os mundos perdidos que Knoll explorou e esclareceu.
“Enfiar o nariz nas rochas. Não há substituto. Se você está interessado na história deste planeta, a biblioteca são as rochas”, disse Knoll, que é o professor de História Natural da Universidade de Harvard.
A Academia Real de Ciências da Suécia concedeu nesta segunda-feira a Knoll o prestigioso Prêmio Crafoord, considerado um complemento – e para alguns vencedores, um precursor – de um prêmio Nobel.
A honra é por seu trabalho em esclarecer os primeiros 3 bilhões de anos da história da Terra, que determinou as idades das camadas de rocha, descobriu minúsculos organismos das profundezas do tempo que são os ancestrais infinitesimais de cada um de nós e explicou sobre a pior extinção em massa do mundo.
“Ele realmente tenta integrar todos os dados disponíveis – os geológicos, os biológicos e os químicos e coloca as coisas em perspectiva. Ele não é apenas uma pessoa que olha para um fóssil e diz: ‘Ah, isso é assim e assim e veio deste período de tempo’”, disse Daniel Conley, professor de biogeoquímica do departamento de geologia da Universidade de Lund, na Suécia.
“Ele é capaz de fazer essa imagem holística, entender por que o fóssil está lá e o contexto de tudo o que estava acontecendo na época”, disse Conley, que é membro da Academia Real de Ciências da Suécia e do comitê do Prêmio Crafoord em Geociências.
Não é necessariamente o lado glamouroso da paleontologia – Knoll encontra e examina principalmente microfósseis visíveis apenas com um microscópio, não esqueletos imponentes de gigantes extintos que ocupam o centro do palco nos átrios dos museus. Mas como ele juntou a história do nascimento da Terra e a história mais antiga da vida revolucionou o campo.
“Os dinossauros são (uma) parte muito, muito pequena do registro em termos de fósseis e em termos de tempo em que eles existem. Eles são extraordinários. Estou de acordo com isso. Mas eles são uma pequena parte de uma história muito, muito, muito maior”, disse Knoll, que tem 70 anos.
O bilhão de anos ‘entediante’
Nosso familiar mundo de animais complexos começou a tomar forma a cerca de 540 milhões de
anos atrás, no que é conhecido como a explosão Cambriana. Mas a descoberta feita por Knoll de fósseis microscópicos de organismos semelhantes a bactérias, protozoários unicelulares e algas que remontam a 3 bilhões de anos – e o ambiente em que surgiram – mostraram que o caminho evolutivo para nossa vida animal e vegetal moderna começou muito antes.
“Ele foi capaz de fazer essas descobertas de que já havia vida antes do que pensávamos”, disse Conley.
Knoll colocou desta forma: “Vivemos em um planeta microbiano. Os animais são realmente a cereja do bolo da evolução, mas as bactérias são o bolo”.
Eletambém descreveu pela primeira vez o que, muitas vezes, é conhecido como “o bilhão entediante” – um período na história da Terra de cerca de 1,8 bilhão a 800 milhões de anos atrás, quando nada parecia acontecer biologicamente ou climaticamente. No entanto, ele disse que esse foi um período crucial e que abriu caminho para a vida como a conhecemos.
“Nosso trabalho e o de outros, demonstram que isso foi quando a célula eucariótica atingiu a maioridade – toda a biologia molecular e celular que eventualmente tornou os animais possíveis, foi trabalhada durante esse bilhão entediante”, disse Knoll.
Knoll disse que primeiro ficou hipnotizado por fósseis que encontrou na região da Pensilvânia, aos pés dos Apalaches, ainda na infância.
“Eu me lembro da sensação quando eu tinha 12 anos e apenas a ideia de que quebraria essa pedra e veria algo que nenhum ser humano jamais viu”.
“Esse foi um pensamento maravilhoso e ainda fico animado se descubro algo ou tenho uma ideia que ninguém mais teve”.
Ele também aplicou seu conhecimento da evolução inicial da Terra para Marte, interpretando dados e imagens enviados pelo rover Opportunity, que esteve ativo na superfície do planeta vermelho de 2004 a 2018.
Knoll, em Terra Nova e Labrador, já trabalhou no mundo inteiro / Arquivo pessoal
Ciclo do carbono
Para Shuhai Xiao, professor de geobiologia da Virginia Tech e que foi aluno de doutorado de Knoll na década de 1990, é o trabalho de seu ex-orientador sobre o ciclo do carbono da Terra – e como ele desempenhou um papel essencial nos ciclos de mudança da história do planeta – que tem sido mais influente.
Knoll, disse ele, foi uma das primeiras pessoas a usar isótopos de carbono para entender quanto carbono orgânico foi preservado na rocha e, como consequência, entender quanto dióxido de carbono (CO2) e oxigênio estava na atmosfera em um determinado período de tempo.
“Isso abriu as comportas. Hoje damos como certo e muitas pessoas usam isótopos de carbono para falar sobre o ambiente paleo. Mas isso foi em 1986, e poucas pessoas fizeram esse tipo de análise e muito menos ainda aplicaram-no para entender a história da Terra”, disse Xiao, que passou muitas horas com Knoll em longas viagens de trem na China, visitando sítios de fósseis.
“Quando entrei em campo com ele pela primeira vez, fiquei muito impressionado. Ele colocava a lente na cabeça e era quase como se estivesse beijando a rocha, ele chegava tão perto”.
A queda dos níveis de CO2 transformou a Terra duas vezes em uma bola de neve, completamente coberta de gelo, e as emissões de gases de efeito estufa da atividade vulcânica a aqueceram novamente.
“A vida é baseada em grande parte no carbono. É um elemento único que pode dar origem à complexidade molecular que caracteriza a vida, mas também é excepcionalmente importante para a história ambiental. A razão pela qual está ficando mais quente agora é que estamos movendo muito CO2 na atmosfera”, disse Knoll.
Andrew Knoll, em Spitsbergen, onde fez algumas de suas descobertas mais importantes / Arquivo pessoal
‘Grande Morte’
Knoll também apresentou a explicação mais confiável para a terceira e maior extinção em massa da Terra, quando mais de 90% das espécies no oceano desapareceram e 70% dos animais terrestres morreram. O evento finalmente abriu caminho para a ascensão dos dinossauros.
Conhecida como a “Grande Morte”, esse evento marcou o fim do período Permiano, há 252 milhões de anos, e sua causa era debatida há muito tempo. As teorias incluíam o aumento dos oceanos, um clima mais frio ou até mesmo um asteroide como aquele que posteriormente condenou os dinossauros há 66 milhões de anos.
A catástrofe biológica desencadeada neste momento foi assustadora, disse Knoll. Nas rochas expostas na encosta de uma montanha na China, chamada Meishan, onde Knoll trabalhou, as rochas calcárias se eriçam com vida marinha fossilizada e, depois de um ponto não mais largo que o fio de uma faca, todas desaparecem, disse ele.
Analisando o fenômeno em uma noite enquanto ele estava acordado cuidando de seu filho, Knoll teve a ideia de que o aparente desaparecimento da vida poderia ter sido devido a um rápido aumento de CO2. Para entender o que pode ter acontecido, Knoll e seus colegas mergulharam nos registros fósseis e dividiram a fauna marinha que vivia no final do período Permiano em dois grupos: vulneráveis e tolerantes ao CO2.
Por exemplo, animais com brânquias para trocas gasosas deveriam ser mais tolerantes, enquanto os corais – que possuem esqueletos de carbonato – não responderam tão bem. O grupo com as características mais tolerantes ao CO2, como moluscos e caracóis, sobreviveu em grande parte à extinção em massa.
“Na medida em que fizemos algo original foi que havia todas essas explicações geológicas para a extinção em massa, e sempre fiquei impressionado com o fato de que ninguém realmente olhou para os fósseis. Eu me senti como um detetive tentando resolver um assassinato”.
A causa do aumento do CO2 foi finalmente determinada como sendo uma enorme área de atividade vulcânica no que hoje é a Rússia, conhecida como Armadilhas Siberianas.
Knoll na Sbiéria, é especialista em estudos de microfósseis, visíveis apenas em telescópios / Arquivo pessoal
Ressonância com o hoje
Algumas pessoas pensam atualmente que estamos no meio de uma sexta extinção em massa, e Knoll disse que a extinção no fim do período Permiano traz lições para a crise climática em que estamos agora.
Embora o atual aumento de CO2 seja em grande parte devido à queima de combustíveis fósseis, não à atividade vulcânica em grande escala, Kroll disse que “há uma ressonância muito interessante entre os padrões de extinção que vemos no final do período Permiano e o tipo dos efeitos biológicos nascentes do aquecimento global do século 21”.
O estudo das extinções em massa do passado também mostra que a vida se recupera, disse Knoll, mas leva muito, muito tempo – dezenas de milhões de anos.
Seu popular livro de ciência “Uma Breve História da Terra: Quatro Bilhões de Anos em Oito Capítulos”, lançado no ano passado, termina com um eloquente chamado à ação.
“Aqui está você, no legado físico e biológico de 4 bilhões de anos”, escreveu Knoll. “Você caminha por onde trilobitas uma vez deslizaram pelo antigo fundo do mar, onde os dinossauros se arrastaram pelas encostas cobertas de Gingko, onde os mamutes já comandaram uma planície frígida”.
“Uma vez foi o mundo deles, e agora é o seu”, continua ele. “A diferença entre você e os dinossauros, é claro, é que você pode compreender o passado e imaginar o futuro. O mundo que você herdou não é apenas seu, ele é sua responsabilidade. O que acontece em seguida é por sua conta”.
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