Extinção? Abate em massa de jumentos para China ameaça espécie e saúde pública no Nordeste
O abate sem controle de jumentos capturados pelo Nordeste está levando a uma rápida redução no número de animais, o que coloca a espécie em risco de extinção. Especialistas defendem que a atividade seja proibida no Brasil de forma urgente.
"Estamos dando um grito de alerta porque essa é a oportunidade final para salvar os nossos últimos jumentos. Não há mais tempo, temos de parar o abate". - Gislane Brandão, coordenadora da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos
Como é o abate
- A estimativa é que cerca de 600 mil jumentos tenham sido abatidos desde 2016, quando começou a prática. Hoje deve haver apenas cerca de 300 mil espécimes no Nordeste, que quando capturados sofrem maus-tratos e causam risco sanitário aos humanos.
- Em torno de 70 mil animais são mortos ao ano. Os jumentos são levados para fazendas das três empresas autorizadas de abate e exportação na Bahia. Elas matam os animais para vender a pele ao mercado chinês.
- As peles são enviadas em contêineres, que saem de navios para extração do colágeno, um artigo usado na medicina tradicional chinesa. Lá, cada pele de jumento chega a valer US$ 4.000 (cerca de R$ 19 mil) no mercado.
- Além disso, a carne que era um subproduto se valorizou nos últimos anos e vai para Vietnã e Hong Kong —mas ainda a preços bem menores.
- Como os animais não têm uma cadeia produtiva rentável, a atividade é extrativista e finita.
"O interesse deles é para retirar o eijao para uso medicinal. Mas é uma cadeia custo-proibitiva; então eles exploram até não ter mais animais e depois partem para outro lugar. Nós já mapeamos isso." - Patrícia Tatemoto, que representa na América do Sul a ONG "The Donkey Sanctuary" (O Santuário dos Burros)
- O eijao é obtido por meio da fervura da pele do jumento e é principalmente usado para problemas de circulação sanguínea e anemia.
Defesa da espécie
- Desde 2016, pesquisadores e ativistas criaram a Frente Nacional de Defesa dos Jumentos e denunciam que a prática os submete a extremos maus-tratos.
- Segundo estimativas da The Donkey Sanctuary, 20% dos animais morrem antes mesmo de chegarem aos abatedouros pelo sofrimento imposto.
"Os jumentos são amontoados em caminhões, depositados em fazendas sem comida e água, o que gera enormes sofrimentos e mortes." - Gislane Brandão
- A coluna procurou, durante a semana, as três empresas que fazem abate, mas não conseguiu nenhum contato.
Ações e projetos para barrar
- Existem ações na Justiça que tentam proibir o abate, mas apenas uma delas com decisão favorável, dada à Frente Nacional de Defesa dos Jumentos. "Mas as empresas alegam que há outra decisão anterior que permite", diz Gislane.
- Em março de 2022, o MP da Bahia pediu de forma liminar a suspensão dos abates, mas o pedido foi negado em abril de 2023. Um recurso foi impetrado e está à espera da análise da 3ª Câmara Cível do TJ (Tribunal de Justiça).
"O pedido é para suspender o abate até que haja uma criação regulamentada de jumentos e não haja perigo da extinção no Nordeste. No ritmo que vai, eles estarão extintos na região em alguns anos." - Julimar Barreto, promotor
O tema também foi debatido no último dia 14 na Câmara dos Deputados. Na Casa existe projeto dos deputados Célio Studart (PSD-CE) e Ricardo Izar (Republicanos-SP) para proibir o abate de equinos, equídeos, mulas e jumentos no Brasil.
Esquema é irregular, aponta nota técnica
- José Roberto Pinho de Andrade Lima tem pós-doutorado em saúde global e ambiental e integra o CRMV-BA (Conselho Regional de Medicina Veterinária da Bahia). Ele produziu uma nota técnica, em 2020, denunciando que a forma de transporte e guarda oferece riscos sanitários por falta de controle.
"Os animais são capturados ou comprados por todo o Nordeste e transportados de forma clandestina para as fazendas de acumulação pré-abate autorizadas em portaria da Adab [Agência de Defesa Agropecuária da Bahia]." - José Roberto
- Para ele, a forma como se atua hoje é ilegal.
"Este transporte interestadual fere diversas legislações, pois os jumentos circulam entre estados sem item obrigatórios, que são a GTA (Guia de Trânsito Animal), o exame negativo para mormo [um tipo de zoonose] e AIE (Anemia Infecciosa Equina)."José Roberto
- A coluna tentou contato com a Adab, mas não obteve retorno.
Saúde pública faz alerta
- Em 2020, a Secretaria de Saúde fez uma alerta epidemiológico que o trânsito de jumentos para o abate seria "um risco altíssimo para a saúde pública" por conta do mormo (doença que também atinge humanos).
- No caso, os trabalhadores dessas fazendas são os que correm mais riscos, visto que trabalham com animais sem o devido controle sanitário.
- Ainda segundo José Roberto, os matadouros alegam que os animais são da Bahia, mas a conta não fecha. "Eles abatem cerca de 60 mil jumentos por ano, números incompatíveis com o rebanho estimado de asininos na Bahia, que em 2017 era de 90 mil animais."
- Pierre Escodro, professor e pesquisador da Ufal (Universidade Federal de Alagoas), explica que a cadeia da jumenta é mais longa, o que impede de haver criações para renovar rebanho como ocorre com os bovinos, por exemplo.
"Não dá para fazer igual vaca, pois o tempo de gestação é maior. Um animal leva 4 anos para ficar pronto para reprodução."- Pierre Escodro
- Para tentar ajudar, ele conseguiu, no início do mês, a entrega de animais apreendidos pela PRF (Polícia Rodoviária Federal) em Paulo Afonso (BA) e que, provavelmente, seria levado para abate. Com uma campanha, ele os colocou para adoção. "É uma forma de chamar a atenção e sensibilizar", diz.
Estudos para pôr fim à prática
- Segundo a coordenadora do Departamento de Direitos Animais do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Vanessa Negrini, foi celebrado recentemente com o governo baiano um protocolo de intenções para tentar propor medidas contra o abate.
"Nossa ideia é gerar pesquisas e conhecimento na área de agricultura celular para gerar renda, impostos e trabalho com o fornecimento de colágeno sem o abate animal. Será um avanço porque você tem um estoque de jumentos limitado: na hora que acabar com ele, acabou o processo." - Vanessa Negrini
- À coluna, a Secretaria do Meio Ambiente da Bahia confirmou que busca alternativas sustentáveis e tecnológicas que possam gerar renda "sem depender de qualquer forma direta ou indireta de agressão ao meio ambiente como um todo."
- Em reunião com o Ministério do Meio Ambiente, a pasta diz que "ficou alinhado que por meio de um grupo de trabalho será discutido a questão do abate de jumentos e a produção celular de colágeno no Nordeste e, consequentemente, na Bahia."
- Entretanto, a coordenadora da Frente faz um alerta: "não há tempo de esperar estudos alternativos enquanto o abate segue."
"É preciso suspender de imediato e implantar os estudos para o cultivo celular do ejiao." - Gislane Brandão, coordenadora da Frente Nacional de Defesa dos Jumentos
Com informações do UOL
Deixe o seu comentário
O seu endereço de email não será publicado