No ano em que o aborto vem sendo um dos temas de maior discussão na Congresso Nacional, 21 crianças de até 14 anos precisaram recorrer aos procedimentos legais no Brasil. Em 2023, 154 meninas dessa faixa etária passaram por aborto dentro dos casos autorizados pela lei. Os dados dão diagnóstico sobre um ponto central do Projeto de Lei (PL) 1.904/24, que equipara o aborto ao homicídio.
A notícia é do Metrópoles. A proposta tramita em regime de urgência na Câmara dos Deputados. Caso seja aprovada, qualquer aborto acima de 22 semanas de gestação será considerado crime de homicídio, inclusive no casos de gravidez decorrentes de estupro. Críticos ao projeto levantam a discussão sobre como o texto pode afetar, principalmente, crianças vítimas de abuso sexual, já que são elas que levam mais tempo para identificar uma gravidez.
A própria justificativa do Projeto de Lei, de autoria do deputado federal Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), cita o caso de “uma menina de 11 anos, grávida de mais de 22 semanas”, que chegou a ter o aborto negado pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC), em 2022. A criança, posteriormente, conseguiu realizar o procedimento legalmente, com recomendação do Ministério Público Federal (MPF).
Na ocasião, o MPF lembrou que a negativa de realização do aborto nos casos de abortamento legal “configura violência psicológica, fere o direto à saúde das mulheres, a integridade psicológica e a proibição de submissão à tortura ou a tratamento desumano ou degradante das mulheres”. A conduta da juíza que negou o aborto daquela criança de 11 anos chegou a ser objeto de Procedimento Administrativo Disciplinar (PAD), instaurado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O corregedor nacional de Justiça afirmou que a decisão teria “revitimizado a menina”.
Abortos pelo país
O Sistema de Informações Hospitalares do SUS (SIH/SUS) possui dados sobre abortos no país desde 2007, em três divisões: abortos espontâneos (quando há interrupção involuntária da gravidez antes da 20ª semana); outras gravidezes que terminam em aborto; e abortos por razões médicas. Neste último, estão casos provocados em hospitais com previsão legal.
Quando filtrados os abortos por razões médicas de meninas de até 14 anos, constam 1.140 casos no país, desde 2007. Entre 2021 e 2023, a média nessa faixa etária é de 133 registros por ano. Historicamente, os estados de São Paulo, Pará e Rio de Janeiro, respectivamente, concentram os números mais altos desses abortos.
O caso do Pará chama atenção. Com população de 8,1 milhões de habitantes, o estado tem mais abortos por razões médicas do que todas as outras unidades da federação mais populosas, com exceção de São Paulo.
Estupros
Já em outro recorte, dos crimes de estupro de vulnerável, ou seja, quando a vítima é menor de 14 anos, dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública mostram como essas crianças são os principais alvos. Foram registrados 18.110 estupros com vítima maiores de 14 anos em todo o país em 2022, contra 56.820 estupros de vulneráveis. A taxa desses crimes contra crianças cresceu 8,6%, entre 2021 e 2022, porcentagem que também é maior do que o crescimento de 7% das ocorrências contra maiores de 14 anos.
Na capital do Brasil, segundo números da Secretaria de Segurança Pública do Distrito Federal (SSP-DF), 66,3% dos crimes dessa natureza, em 2023, foram contra vulneráveis.
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