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Política

Crise do INSS completa dois meses sem previsão para ressarcir vítimas

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Dois meses após a operação que revelou um esquema bilionário de descontos indevidos em aposentadorias e pensões do Instituto Nacional da Seguridade Social (INSS), ainda não há previsão de ressarcimento às vítimas, segundo apurou os repórteres Cristiane Noberto e Vitória Queiroz, da CNN Brasil.

O prejuízo estimado é de R$ 6 bilhões, envolvendo associações, corretoras, call centers e empresas de consultoria que teriam aplicado os descontos sem autorização dos beneficiários, entre 2019 e 2024.

Para tentar separar os descontos efetivamente não autorizados, o governo lançou uma funcionalidade no aplicativo “Meu INSS” para cada aposentado contestar diretamente os lançamentos em seu benefício.

Cada contestação abriu um processo individual, com prazo para que a associação comprove a autorização do desconto. Caso o documento não seja apresentado — como prevê a lei —, a entidade terá 15 dias para devolver o valor ao INSS, que depois repassará a quantia ao beneficiário por meio de folha suplementar.

Foi apurado que a elaboração do calendário de restituição está na fase final. Fontes envolvidas no processo apontam que o dinheiro será devolvido seguindo a ordem de solicitação, isto é, quem iniciou o processo primeiro, terá prioridade no ressarcimento.

O governo federal irá utilizar recursos do Tesouro Nacional para ressarcir os aposentados, mas ainda há impasses com a equipe econômica sobre como e quanto deverá ser retirado dos cofres públicos.

Na avaliação do ministro da Previdência Social, Wolney Queiroz, a população afetada não pode esperar pelo fim do processo judicial para ter o seu dinheiro devolvido.

Por outro lado, fontes ligadas ao orçamento afirmam que há caminhos viáveis para efetuar os pagamentos, que deverão ser detalhados no próximo relatório de avaliação de receitas e despesas, previsto para o fim de julho. Para isso, será necessário bloquear parte dos recursos disponíveis, garantindo espaço fiscal para o repasse dos valores apurados pelo INSS.

Durante audiência na Câmara dos Deputados no início de junho, Wolney Queiroz afirmou que o ressarcimento de descontos indevidos a aposentados e pensionistas do INSS pode chegar a R$ 4 bilhões.

Cerca de 3,4 milhões de aposentados já sinalizaram ao INSS que foram vítimas da fraude. De acordo com o último balanço divulgado pelo órgão em 19 de junho, somente 93,2 mil beneficiários reconheceram os descontos. Não há prazo para que os 9 milhões de aposentados se manifestem.

Em nota, a AGU informou que deve apresentar, nesta semana, ao Supremo Tribunal Federal (STF), o calendário de ressarcimento dos aposentados e pensionistas que foram vítimas de descontos associativos indevidos. Já o Ministério da Previdência disse à CNN que o prazo limite para a devolução dos valores é até 31 de dezembro de 2025.

"Informamos ainda que todos os segurados que tiveram esse desconto serão ressarcidos, em parcela única, o mais breve possível", disse a pasta em nota.

Lentidão

Para o professor da FGV-SP e pesquisador na Escola Nacional de Administração Pública (Enap) Rafael Viegas, embora existam obstáculos reais – como a complexidade de identificar as vítimas, a necessidade de diferenciar descontos autorizados de fraudes e o risco fiscal de pagamentos em massa sem base jurídica sólida – o governo já poderia ter estabelecido um plano emergencial com prazos, ações e comunicação claras.

“A lentidão em oferecer respostas concretas agrava o prejuízo das pessoas vulneráveis que foram atingidas e transmite uma sensação de omissão ou incompetência. A falta de um cronograma alimenta judicializações, pressões políticas e perda de credibilidade”, disse à CNN.

Na avaliação de Rafael Viegas, o cenário impacta a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cuja aprovação já vem caindo nas pesquisas. O professor da FGV-SP defende ser necessário acelerar a automação dos processos de validação, ampliar a comunicação com os beneficiários, firmar acordos com entidades e fortalecer os mecanismos de controle para impedir que o problema se repita.

“O impacto na popularidade do governo Lula é muito negativo. Existe uma percepção de desorganização e insensibilidade com pessoas vulneráveis. Embora o escândalo tenha origem no governo anterior, ele atravessa o atual governo”, afirmou.

Já o professor da FGV Direito Rio Luis Lopes Martins diz que o governo poderia ter acelerado o processo de ressarcimento adotando um sistema de devolução automática a todos os aposentados, inclusive para quem autorizou os descontos. Para o especialista, a automatização reduziria o risco de judicialização promovido pela própria demora.

Luis Lopes Martins ressalta que a judicialização aumenta os gastos diretos e indiretos dos cofres públicos, já que o aposentado pode pedir o valor dos descontos indevidos acrescido de parcelas de outras naturezas, como obrigação de juros de mora e danos morais.

“Esperar – no formato [de ressarcimento que foi adotado pelo governo ]– que fosse realizado em dois meses, seria muito difícil”, disse à CNN.

Judicialização das fraudes

Como a CNN mostrou, as ações judiciais movidas contra o governo devido a descontos associativos irregulares tiveram um "boom" após a operação que trouxe à tona as fraudes do INSS.

Apenas em maio, mês posterior à primeira fase da Operação Sem Desconto, foram ajuizadas 10.923 novas ações -- uma média de 352 por dia. Para efeitos comparativos, em janeiro de 2024, foram 412 novos processos.

Os sistemas da Advocacia-Geral da União (AGU) apontam para um total acumulado de 65,2 mil ações, com impacto financeiro estimado em quase R$ 1 bilhão. As cifras preocupam a equipe econômica do governo.

Isso porque as ações pedem não apenas o reembolso integral, mas o pagamento de indenização a título de danos morais - e as sentenças têm sido, em geral, desfavoráveis ao INSS.

A AGU solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) a suspensão de todas as ações que tramitam Brasil afora, para que possa ser costurado um acordo com os aposentados e pensionistas lesados.

Em razão do número de ações, a CNN apurou que o governo vai propor um acordo aos aposentados e pensionistas lesados pelas fraudes: em troca do reembolso em parcela única ainda em 2025, o beneficiário deverá se comprometer a não entrar na Justiça contra a União.

Em outra linha, o STF abriu o primeiro inquérito sobre as fraudes no INSS desde que veio à tona o esquema bilionário de descontos indevidos nas aposentadorias. O fato de a investigação ter sido instaurada na Corte indica o envolvimento de pelo menos uma autoridade com prerrogativa de foro, mas o nome é mantido em sigilo.

Imbróglio

A ofensiva foi deflagrada em 23 de abril, numa ação conjunta da Polícia Federal e da Controladoria-Geral da União (CGU), e levou ao afastamento do então presidente do INSS, Alessandro Stefanutto. Pouco depois, Carlos Lupi deixou o comando do Ministério da Previdência.

Segundo a CGU, ficou comprovado que muitas entidades envolvidas sequer tinham estrutura para oferecer os serviços que prometiam. Desde então, o governo tenta mapear a dimensão do problema.

Técnicos da área econômica alertaram para o risco fiscal: uma decisão recente do TRF-6, que determinou indenização de R$ 8 mil a uma aposentada por danos morais, acendeu o alerta.

Se valores semelhantes forem replicados em ações semelhantes, o rombo pode ultrapassar R$ 14 bilhões. No entanto, até o momento, ainda não há perspectiva de retirada dos valores do orçamento federal.

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