A matéria é do Blog do Dina:
A guerra pelo trono do crime em Natal não começa com tiros. Começa muito antes — com olhares atentos, testes disfarçados, convites sutis mascarados de acolhimento. Na periferia, a disputa silenciosa por novos soldados revela um processo de formação meticuloso, quase como uma curadoria.
Com o declínio do Sindicato do RN e o avanço do Comando Vermelho, cresce a urgência das facções em fortalecer sua base. E essa base é formada por meninos, ainda na infância, cuidadosamente observados e selecionados.
Segundo informações da inteligência policial, o perfil ideal para o crime não exige coragem, mas comportamento estratégico. Procuram os que sabem obedecer e mandar, os que não se desesperam sob pressão, os que respeitam o “certo pelo certo” e têm inteligência emocional. É o “menino esclarecido”, como dizem nas escutas.
Do abandono ao alistamento silencioso
Sem acesso a uma educação de qualidade, oportunidades ou perspectivas, muitos jovens encontram no crime organizado aquilo que o Estado não oferece: pertencimento, respeito, identidade e dinheiro. O recrutamento não é feito com promessas explícitas — é um processo de observação e construção que começa cedo, muitas vezes antes mesmo de a criança aprender a ler.
Dados que explicam o cenário
Natal registra uma das maiores taxas de homicídios entre capitais brasileiras: 30,9 por 100 mil habitantes, segundo o Atlas da Violência. Em São Gonçalo do Amarante, esse número mais que dobra, com 67,4 homicídios por 100 mil habitantes.
A maioria das vítimas tem entre 15 e 29 anos. Desses, 76% são jovens negros — o mesmo perfil recrutado pelas facções.
Não é aliciamento. É método.
Mais que aliciar, o crime organiza. Forma times, estrutura lealdade, filtra perfis. A guerra que estoura nas ruas é só a ponta do iceberg. O verdadeiro poder do crime está em sua capacidade de se reproduzir. E enquanto o Estado reage com operações pontuais, o crime age com formação contínua.
Porque o domínio não se impõe apenas pela força. Ele se perpetua pela estratégia.