Por Júnior Lins e William Medeiros
A guerra contra o crime é vista em um cenário incessante nas ruas. Diariamente, articulações criminosas surgem e se mobilizam para encontrar métodos de burlar a lei. Um dos braços dessas organizações gerou um novo combate a ser travado pelas forças de segurança e órgãos fiscalizadores: o crime também dentro das prisões. Advogados criminalistas passaram a utilizar das suas vantagens para acesso às penitenciárias e, não só se envolveram com o ilícito como comunicadores para as facções, como também foram colocados em postos de liderança.
O "WhatsApp do Crime" teve suas primeiras denúncias e constatações em maio deste ano. Cerca de dez mensagens em papéis de conversas entre criminosos foram encontradas em unidades prisionais do Rio Grande do Norte, conforme a Secretaria de Administração Penitênciária do Estado (SEAP). Desse total, sete aconteceram no Complexo Penitenciário de Alcaçuz.
No intuito de desmontar o esquema de atuação dos advogados suspeitos de envolvimento com facções criminosas, o Ministério Público do Rio Grande do Norte (MPRN) realizou a operação Carteiras. Durante o trabalho do MP, a ação cumpriu mandados de busca e apreensão nas cidades de Natal, Parnamirim, Extremoz e Nísia Floresta. Os mandados foram executados nas casas dos advogados, em um escritório de advocacia e também no complexo penitenciário de Alcaçuz. A Polícia Civil também abriu um inquérito para apurar a entrada de bilhetes na prisão e participou das ações de investigação.
Apesar de os primeiros registros da Seap terem sido divulgados neste ano, o MP já mirava os três defensores desde julho de 2021. Conforme o órgão, “os três abusaram das prerrogativas inerentes ao ofício advocatício, realizando a comunicação entre líderes faccionados presidiários e os demais integrantes da organização em liberdade, repassando mensagens relativas às atividades criminosas e, assim, garantindo o regular funcionamento do grupo com a prática de diversos crimes”.
Nas investigações sobre o grupo de advogados, conhecido como “Gravatas”, foi descoberto que havia uma defensora que se portava como coordenadora. A mulher tinha como “missão” organizar e cobrar relatórios para criminosos custodiados e repassar orientações aos membros soltos da organização. Além disso, também deveria ser uma forma de transportar mensagens e preocupações dos chefes das facções aos detentos.
Nos bilhetes trocados entre os bandidos, divulgados pela Administração Penitenciária, havia instruções e orientações relacionadas ao tráfico de drogas, armas de fogo e movimentações financeiras pessoais e das organizações criminosas. O termo “WhatsApp do Crime” foi colocado pelo Portal 96 justo pela “intimidade” nas conversas, como se fossem feitas com frequência. Nos textos, foram identificadas 25 pessoas em uma estrutura organizada e com divisões de tarefas, esquema típico de organizações criminosas.
As mensagens não se restringiam apenas aos detentos oriundos do Rio Grande do Norte. A investigação do MP também apontava que faccionados do Rio de Janeiro chegaram a fazer cobranças de mais rigor em cometimento de crimes e controle de integrantes do RN. O fato mostrou uma ligação de uma facção potiguar com uma carioca.
Depois dos primeiros indícios da participação de advogados, a Seap optou por exigir que houvesse uma revista aos bacharéis por meio de um ‘bodyscan’, aparelho de raios-x semelhante ao que é utilizado em aeroportos, para evitar que mais recados fossem trocados entre membros internos e soltos da facção.
AS MENSAGENS:

Foto: Marcus Arboés.
OPERAÇÃO CARTEIRAS 2
A operação Carteiras acabou sendo a ponta do iceberg e ganhou novos desdobramentos. Em agosto, a “Carteiras 2” foi deflagrada. Um mandado de prisão contra um advogado suspeito de integrar uma organização criminosa e outros quatro contra detentos foram cumpridos. O “Gravata” teria mantido o esquema já desmontado na primeira fase da ação do MPRN.
Na denúncia, o órgão mostrou que, no dia 6 de outubro de 2021, o advogado entrou na penitenciária de Alcaçuz com um print de uma conversa do WhatsApp sobre venda de ilícitos. No dia 27 de novembro passado, durante atendimento a internos da mesma unidade prisional, o Gravata deixou cair um papel no parlatório. Esse papel relatava a comunicação dos presos com integrantes da organização criminosa. A ação contou com a participação da Polícia Militar e da Secretaria da Administração Penitenciária.
ADVOGADOS TERIAM AJUDADO EM TENTATIVAS DE FUGA
Uma operação da Polícia Penal foi realizada poucos dias depois da Carteiras 2, sob coordenação da Seap, foi identificado e frustrado um plano de fuga de presos da Penitenciária Rogério Coutinho Madruga, no Complexo de Alcaçuz, em Nísia Floresta. Um dos detentos que planejava a ação teria recebido uma mensagem de dois advogados envolvidos na Operação Carteiras do Ministério Público.
Os agentes identificaram um dano na estrutura por onde ocorreria uma tentativa de fuga, em uma das carceragens. A cela é justamente aquela utilizada para conter os presos indisciplinados. A suspeita foi levantada por causa das faltas recentes de alguns apenados. A direção da penitenciária acredita que alguns detentos cometeram atos de indisciplina para serem contidos na cela danificada.
OPERAÇÃO CROSS
Outro desdobramento da Carteiras culminou na operação Cross, também do Ministério Público do RN, realizada em outubro, e culminou na prisão do chefe de uma facção criminosa com atuação no estado. O detido na ação seria um os membros do “Conselho” da organização criminosa, hierarquia apenas inferior a dos fundadores.
O MPRN afirmou ter indícios de que o homem repassava orientações a outros integrantes da facção sobre como agir em suas “quebradas”, com o encargo de expedir relatórios e fazer pagamentos mensais para as companheiras dos demais chefes da facção que se encontram em presídios federais.
OAB defende punição de “defensores do crime”, mas é contra o bodyscan
De acordo com o presidente da Ordem dos Advogados do Brasil no Rio Grande do Norte (OAB-RN), Aldo Medeiros, é necessário identificar os advogados que fazem o trabalho ético para separá-los dos prováveis “defensores do crime”, ou seja, os juristas envolvidos com facções criminosas. A OAB conclui que, no segundo caso, deve haver punição de acordo com o código de ética da profissão.
“Esse tipo de situação flagrada leva a imediata suspensão da licença de advogar e instalação de processo ético. É o que nós estamos fazendo: queremos que os advogados que cumprem com o seu papel, de defender os direitos dentro dos limites da lei, percebam que nós defendemos cada uma das atividades deles, mas não estamos ao lado daqueles que vão além, dentro da missão de advogar”, disse Aldo.
Identificados os prováveis advogados envolvidos com a criminalidade, as licenças são suspensas e é instalado um processo ético para investigar, com base nas informações que levaram o juiz a decretar a prisão, a apurar se houve ou não infração grave.
Em relação as medidas tomadas pela Seap após a identificação dos “mensageiros do crime”, a OAB considera totalmente equivocadas, pois, segundo o órgão, o bodyscan não cumpre o seu objetivo totalmente.
“Se alguém tiver levando um bilhete ou algum tipo de comunicação, não é passando por um equipamento como esse, que causa danos à saúde, que vai impedir a atividade ilegal. Então, a ação foi quase uma espécie de ‘querer jogar a culpa’ na categoria de defensores que tem previsão constitucional, no artigo 133, para um problema que é totalmente segurança do presídio”, comenta.
Ainda de acordo com a OAB, a ação da Justiça Federal ao suspender boa parte das medidas contra os advogados mesmo com a ação do equipamento é exitosa. “É importante que a sociedade saiba que, mesmo que seja mantida a revista pelo bodyscan, não haverá punição imediata, pois não há acusação por parte os advogados e/ou familiares de ingresso de arma de fogo, munição ou outras coisas ilícitas, que seriam esses os materiais fáceis de identificar através do equipamento”, ressalta.
“De qualquer maneira, a OAB quer que haja segurança para um bom cumprimento das penas sem prejudicar, em nenhum momento, as prerrogativas que o advogado tem de acesso independente e isolado com os seus clientes, para que possa exercer os requerimentos de progressão de pena e de tudo que a lei possibilita fazer”, conclui.
O que diz a Seap?
Sobre o assunto, a Seap não quis dar maiores detalhes. No entanto, o órgão alegou que, após a operação carteiras, houve a diminuição do número de atendimentos de defensores e a instituição não enfrentou mais problemas em relação ao encontro de bilhetes encaminhados a criminosos desde então. A instituição não atribui esse comportamento a secretaria, mas aos próprios advogados.