A matéria é do Blog do Dina:
Facções criminosas estão transformando a guerra pelo controle do crime no Rio Grande do Norte em uma disputa que vai além do território físico. O novo campo de batalha é simbólico — e a imprensa tornou-se uma peça central nesse tabuleiro.
A recente prisão de um homem fortemente armado, vestido com balaclava e roupa camuflada, em Natal, foi exibida pela afiliada do SBT. O conteúdo da reportagem é correto: ele portava uma pistola calibre .45 e, em depoimento à polícia, falou sobre o envio de criminosos da Rocinha para o estado, citou treinamentos e até o uso de fuzis.
Mas é exatamente aí que mora o problema.
Propaganda travestida de informação
Armas longas como fuzis envolvem operações de alto sigilo e logística complexa. Nenhum integrante experiente de facção — e ainda menos alguém preso em flagrante — revelaria abertamente rotas de tráfico ou planos operacionais em um depoimento. Essa fala, portanto, não se dirige às autoridades. Ela mira outro público: a sociedade.
A principal função da declaração não foi informar, mas gerar impacto. Criar manchetes. Espalhar medo. Usar a imprensa como canal involuntário de propaganda. Ao afirmar que o Comando Vermelho estaria enviando homens e armamentos, o detido não apenas forja uma ideia de expansão, mas também planta o pânico — e o medo, nesse contexto, é território.
A nova fase da guerra é simbólica
O crime quer mais do que controle físico. Quer legitimidade, atenção e opinião pública. Quer parecer maior do que realmente é. Essa guerra é também de narrativas — e as facções estão aprendendo a manipular a cobertura midiática como instrumento estratégico.
Nesse cenário, até mesmo uma reportagem fiel aos fatos pode, inadvertidamente, servir ao plano de comunicação do crime. A prisão, em vez de demonstrar fragilidade, é moldada como símbolo de poder.
Quando o silêncio diz mais do que a fala
A segurança pública precisa estar atenta: quando um criminoso fala demais, nem sempre está falando com a polícia — mas com a população. A imprensa deve continuar seu papel fundamental de informar, mas com consciência do risco de amplificar discursos pensados para intimidar e manipular.
O vácuo de poder e o novo império do crime
O atual cenário em Natal tem raízes no esvaziamento da facção Sindicato do RN. A transferência de suas lideranças para presídios federais abriu espaço para a movimentação do Comando Vermelho. Sem um comando central, o “trono do crime” ficou vago — e a disputa por ele se intensificou em novas formas: menos ostensivas, mais simbólicas e ainda mais perigosas.
A resposta do Estado
Frente à ameaça, o Estado intensificou o patrulhamento em regiões estratégicas como Guarapes, Felipe Camarão e Cidade Nova. A política de isolamento total de lideranças e ações integradas entre as forças de segurança foram adotadas como resposta. A mensagem é clara: assumir o controle do tráfico não será fácil, e o preço será alto — até mesmo para quem articula nas sombras.
A economia do crime: postos de combustíveis na mira
Além da violência direta, a atenção da inteligência policial também se voltou para o fluxo de dinheiro. Uma rede de postos de combustíveis, com expansão suspeita, passou a ser investigada como possível meio de lavagem de dinheiro do tráfico. Com vínculos indiretos a nomes do crime, essas operações podem sustentar financeiramente o novo império criminoso. O poder, hoje, se constrói tanto com armas quanto com capital disfarçado de gasolina.