A publicitária Danielle Miranda Fonteles, ex-dona da agência Pepper Comunicação Interativa e conhecida por sua atuação em campanhas do Partido dos Trabalhadores (PT), tornou-se um dos principais alvos da nova fase da Operação Sem Desconto, deflagrada nesta quinta-feira (18) pela Polícia Federal. As investigações apontam que ela atuava como representante e parceira internacional de Antônio Carlos Camilo Antunes, o “Careca do INSS”, operador apontado como líder de um esquema bilionário de fraudes em aposentadorias.
Por decisão do ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal (STF), a publicitária foi submetida a medidas cautelares, incluindo o uso de tornozeleira eletrônica. A PF atribui à Danielle um “papel sofisticado dentro da engrenagem de lavagem de capitais”, com atuação em diferentes frentes do esquema criminoso.
Segundo os investigadores, a participação da ex-marqueteira não se limitava a movimentações financeiras pontuais, mas envolvia operações empresariais, imobiliárias e internacionais, conectando o núcleo brasileiro do esquema a estruturas no exterior.
PF aponta atuação internacional e sociedade no exterior
A Polícia Federal confirmou que Danielle Fonteles atuou como representante de Antunes em Portugal, onde esteve à frente de negócios ligados ao lobista, incluindo investimentos no setor de cannabis. Mensagens obtidas pela investigação mostram que ela conduzia negociações, gerenciava recursos e intermediava interesses do “Careca do INSS” no país europeu.
De acordo com a PF, Danielle movimentou recursos do operador no exterior e foi beneficiada com repasses superiores a R$ 13 milhões. Os investigadores afirmam que o próprio Antunes se referia à publicitária como “sócia Portugal”, enquanto os valores eram recebidos por meio de uma empresa controlada por ela no país europeu.
Em decisão que autorizou as medidas cautelares, o ministro André Mendonça citou mensagens interceptadas que reforçam o vínculo operacional entre os dois. Em uma conversa de 11 de setembro de 2024, Danielle afirma ainda não ter recebido o pagamento referente ao mês anterior e questiona se Antunes ou seu filho, Romeu, levariam os valores pessoalmente a Portugal durante uma viagem.
“A PF demonstra que DANIELLE recebe mensalmente valores enviados por ANTÔNIO e atua como intermediária em aquisiçaões internacionais de ativos”, destacou o ministro na decisão.
Os investigadores apontam que a atuação transnacional da publicitária conectava “o núcleo brasileiro às estruturas europeias utilizadas pelo grupo, em especial em Portugal e Alemanha”. Segundo a PF, era Danielle quem formulava propostas para aquisição de imóveis em nome do grupo criminoso, além de cuidar de projetos e investimentos fora do país.
Defesa cita imóvel em Trancoso (BA), mas PF vê tentativa de ocultação
Justificando as movimentações financeiras, a defesa de Danielle alegou nos autos do processo que os valores recebidos de Antunes se referem à negociação de um imóvel em Trancoso, no sul da Bahia, avaliado em aproximadamente R$ 13 milhões. O pagamento, segundo os advogados, seria feito em 13 parcelas de R$ 1 milhão cada.
A transação, no entanto, não foi concluída. Ainda assim, a defesa sustenta que os valores teriam sido declarados à Receita Federal, com recolhimento dos tributos correspondentes, e que o negócio imobiliário seria a explicação legítima para os repasses.
A Polícia Federal, porém, vê indícios de que a suposta venda do imóvel foi usada para ocultar a real natureza da relação entre Danielle e Antunes.
“Há indícios de que, da mesma forma que a emissão de notas fiscais tem sido utilizada para simular legalidade nas operações financeiras vinculadas ao esquema de fraudes previdenciárias, a suposta venda do imóvel teve por objetivo ocultar a real natureza da relação entre ANTONIO e DANIELLE, que ultrapassa os limites de uma mera transação comercial”, afirmou a PF na representação enviada ao STF.
De marqueteira do PT a investigada em esquemas de corrupção
Antes de voltar ao centro das investigações, Danielle Fonteles ganhou notoriedade nacional como marqueteira do PT e integrante da equipe de comunicação da campanha de Dilma Rousseff, em 2010. Fundadora da Pepper Comunicação Interativa, ela coordenou estratégias digitais e ações de defesa da imagem do partido nas redes sociais.
Com sede em Brasília, a Pepper tornou-se uma das principais fornecedoras de serviços de marketing político para o PT, responsável por cerca de 70% do faturamento da agência. A empresa também atuou na campanha de Rui Costa, hoje ministro da Casa Civil, ao governo da Bahia, em 2014. Antes, prestou serviços também ao ex-governador petista de Minas Gerais, Fernando Pimentel.
Em 2015, a agência foi alvo da Operação Acrônimo, da Polícia Federal, que investigou o uso de contratos fictícios e repasses de empreiteiras para financiar campanhas petistas. No curso da apuração, Danielle firmou acordo de delação premiada com a Procuradoria-Geral da República, relatando esquemas de pagamentos disfarçados e operações internacionais.
Após o escândalo, ela se afastou da vida pública e encerrou formalmente as atividades da Pepper. Agora, com o avanço da Operação Sem Desconto, a ex-publicitária volta a ser alvo das autoridades, dessa vez apontada como peça-chave na estrutura internacional de lavagem de dinheiro ligada ao esquema do “Careca do INSS”.
Investigações da PF e CPMI do INSS correm em paralelo com ritmos diferentes
O caso de Danielle evidencia a diferença de ritmo e alcance entre a investigação da PF e os trabalhos da CPMI do INSS. Enquanto a PF avança sobre fluxos financeiros, vínculos societários e operações internacionais, o braço parlamentar enfrenta limitações políticas que têm travado convocações e quebras de sigilo.
Apesar das suspeitas levantadas, permanecem em aberto pontos centrais da apuração: a origem exata dos recursos que circularam pelas empresas ligadas à Danielle, o nexo direto — ou não — com os descontos fraudulentos do INSS, e o grau de autonomia que ela teria nas operações atribuídas ao grupo do “Careca do INSS”.
A PF segue reunindo provas documentais e periciais, enquanto a CPMI, pressionada por novas revelações, pode voltar a discutir a convocação de personagens até agora poupados. Até que haja denúncia formal ou julgamento, Danielle Fonteles permanece na condição de investigada, amparada pela presunção de inocência, mas inserida em um dos capítulos mais sensíveis do escândalo que abalou o sistema previdenciário brasileiro.
A Gazeta do Povo buscou contatos em Brasília dos escritórios de duas advogadas inscritas na OAB do Distrito Federal, relacionados a processos ativos que citam a publicitária Danielle Miranda Fonteles, mas não conseguiu que chamadas fossem completadas ou os telefones indicados tinham outros titulares.
Em outubro, a defesa de Danielle negou irregularidades e afirmou que a relação societária em Portugal foi legal, transparente e desvinculada de recursos públicos ou de campanhas eleitorais, sustentando que não houve prática criminosa nem uso da empresa para ocultação de valores. Os advogados ressaltaram ainda que a cliente não foi condenada e que os fatos estão sendo apresentados fora de contexto pelas investigações.